sexta-feira, 22 de março de 2013

Cuidado com a unha

de Pablo Sathler


Havia algum tempo que estava dando uns amassos em Sara. Eu pegava meu velho Volks, ia à rua de sua casa e buzinava. Era um código nosso. Dava três toques na buzina. Dois curtos e um longo. Ela entrava no carro e saímos andado pela cidade, até que encontrava um lugar para paramos. Na maioria das vezes era o mesmo lugar, ficamos em frente de restaurante que havia falido a pouco tempo. O Colina’s bar. Ficava bem no alto da cidade. A vista lá era ótima ! Assim que estacionava o carro, já começávamos os amassos.
Sara era da turma das “quietinhas”. Aquele tipo de mulher que não dá bandeira. Mas era muito quente! Nossa! Como era quente! Ela sempre vinha com aquele beijo suave. E depois metia a língua com força. E ficávamos naquilo por algum tempo.
Era uma terça-feira. Acho que era algum feriado santo naquele dia. Fui até a casa de Sara. Ela havia me dito que seus pais haviam viajado. Entrei na casa. Era limpa e organizada. Tudo brilhava. Era o meu dia de sorte. Só que Sara gostava de fazer um doce. E como gostava! Ela me mostrou a casa toda. De ponta a ponta. Me mostrou o banheiro. Os dois. Mostrou a cozinha, com uma bela mesa no centro e nenhuma louça suja. Mostrou-me a sala, a copa. Me mostrou até seus pés de tomate. Depois fomos para o terraço. Deitamos na rede e ficamos por um tempo. Do terraço víamos um bando de crianças brincado na rua. Pensei comigo mesmo, elas não tem ideia do que vai acontecer. Após umas três horas de papo furado. Fomos pra cama. Assim que terminei de tirar a cueca, Sara disse:
- Meu irmão costuma pegar o carro aqui em casa.
- OK.
Nessa hora eu pensei. Mas que merda!
Olhei para o relógio, faltavam dez minutos para cinco horas. E perguntei a Sara.
- Que horas ele costuma vir?
- Ah, umas cinco e meia.
Com o corpo quente e pensando mais com a cabeça debaixo, nem liguei para a informação no momento. Assim que ela tirou a calcinha, vi aquele lindo e cristalino fio.
Como a natureza era perfeita! Já era bom colocar o pau ali dentro, e por algum motivo fabricou-se a mulher com esse sistema. Um liquido para o pau entrar melhor. E ainda era quente! Pensei.
Maldita natureza perfeita! E seguimos nos amassando. Foi aí que percebi a hora. Nem a mais rápida das rapidinhas eu iria conseguir. Se fosse uma outra mulher, com quem já tivesse ido para a cama antes, ok. Mas não. Era Sara, a “quietinha”. E tinha que ir com calma. Não podia simplesmente ir arrancando-lhe a roupa. Comecei a ficar nervoso. E perguntei:
- Seu irmão vem mesmo?
- Não sei, ele costuma vir.
- Como costuma?
- Tem dias que ele vem, outros não.
Era uma sacanagem aquilo, tanto literalmente quando no sentido figurado. Mas estava preocupado. Mas como todo homem tem que cumprir seu papal de viril, de “fodedor”, continuei. Coloquei minha mão dentro. E delicadamente passei meu dedão no seu clitóris. Ouvi um:
- Isso é bom.
Sendo assim, continuei a masturba-la. E no momento de empolgação, cravei uma das unhas na parede da xota de Sara.
- Aí!!! Machucou! Disse Sara sem exitar.
- Desculpa meu bem. Tentando beija-la novamente.
- Não não, é sério. Machucou mesmo.
- Perdão meu bem.
- Não dá mesmo pra continuar.
E foi assim que perdi uma das melhores fodas que não tive. Juntei as roupas. Pedi perdão mais umas três vezes. Liguei o carro e fui pro bar mais próximo. O Moll’s bar. Pedi um uísque sem gelo e fiquei pensando sobre aquilo, até o bar fechar.

São Francisco bipolar

               Outro dia, uma psicóloga, ou coisa que o valha, publicou um estudo ao qual ela tratava de transtorno de bipolaridade, nesta pesquisa ela fez uma interminável lista de personalidades que teriam o dito transtorno. Na lista estavam, a famosa e incrível escritora Virginia Woolf, o grande Friedrich Nietzsche e, para o meu espanto, São Francisco de Assis. A pesquisadora não se aprofundava nas razões às quais levaram o santo a ter este problema, então me deprimi e enlouqueci.
                Sempre pensei que o nosso amado e velho Chico tem íntima relação com o santo que lhe empresta o nome. Será que existe transtorno de bipolaridade para o nosso amado rio? Pensei, será que algum de seus muitos afluentes lhe exercem uma negativa influência? Será que a poluição tem feito dele um rio melancólico? Será que as transposições tem lhe feito mal? Será que ser tão grande e tão imensamente caudaloso e ver tanta miséria às suas margens? Será que cidades inteiras de costas para ele tem lhe feito sentir-se só? Penso que tudo isto tem-lhe afetado as emoções. Se isto for verdade quem lhe poderá curar a sanidade?
                Talvez o Amazonas ou Nilo, mas por serem grandes demais podem fazer o nosso Chico se sentir menor do que é, transformando biporalidade em complexo de inferioridade. Quem sabe o Rio Doce, esse está mais próximo e sofre de algumas das mazelas de nosso rio, mas doçura em excesso pode deixa-lo meigo demais e ele precisa de sua força para continuar sendo quem é.
Pensei no Ganges, mas a cultura hindu é tão diferente... Adoro quando culturas se mesclam, mas um doente precisa de mais do que isto. Precisa se encontrar se encontrar, se descobrir, sair de si e não deixar de ser o que é.
Talvez a solução esteja mais próxima do que parece. São Francisco poderia se consultar com o Rio das Velhas. Sim, com elas!
Elas já passaram por cada uma, já enfrentaram tanta coisa que seria maravilhoso se nosso rio tomasse alguns conselhos com estas distintas senhoras.
Elas vão abraçar nosso santo e, enquanto uma velha frita bolinhos de chuva,outra faria um café bem gostoso, outra o deitaria sob o colo, lhe apertaria os cravos no rosto e faria cafuné, enquanto isto, outra velha lhe teceria, carinhosamente, uma túnica nova, outra limparia o seu cajado e a mais velha de todas seria responsável, por puxar uma prosa despretensiosa e iria, aos poucos, fazendo o Santo desabafar.
Ele falaria sobre as suas dores, dilemas, falaria sobre os dias em que se sentiu só, que lhe faltou fé, dos dias que faltou coragem, temperança e, principalmente, de suas decepções. As Velhas mesclariam uma confissão, com uma sessão de terapia, com um dia na casa da vovó.    O Velho Chico se sentiria mais jovem, vestiria com orgulho a túnica nova, sentir-se-ia mais leve, se fartaria de bolinhos de chuva, sentiria menos o caminhar e exibiria orgulhos o novo cajado, sentir-se-ia mais belo, estaria com o rosto limpo.
Não é em vão que elas deságuam, a todo momento em nosso Santo Rio, elas tem o poder de curar qualquer transtorno sem Lítio e nem Prozac.

O Chico daqui e o Chico de lá


               Aguinaldo morava à beira do Rio São Francisco, porém o São Francisco que lá chegava era um filete de água barrenta oriundo de algum afluente quase morto.
                Faltava tudo para Aguinaldo, menos desejo de uma vida melhor, seus sonhos eram simples como seus hábitos e sua vontade de trabalhar maior que toda a extensão do Velho Chico.
                De tanto procurar e insistir lhe aparece uma chance. Ir para Minas Gerais e fazer um trabalho braçal, o salário era baixo, porém era uma fortuna em relação ao que ele ganhava e sua carteira de trabalho, finalmente, seria assinada por alguém. Sem pestanejar, Aguinaldo aceita a oferta e vai para a pequena Itabirito deixando para trás esposa, quatro filhos, sua terra e um pedaço de sua alma.
                Chegando na nova terra, após uma infernal viagem, ele conhece o seu local de trabalho e no dia seguinte já inicia uma cansativa e dolorosa jornada de trabalho. Mas, ele não reclama, pois no alojamento em que ficara havia algo ao qual nunca havia presenciado em sua vida, havia água na torneira saindo torrencialmente, teve ele a chance de ter a sensação de usar um banheiro e tomar um banho quente.
                Aguinaldo não voltará mais para sua terra, por ela chorará todos os dias, tornar-se-á um fadista nordestino, assim que possível trará esposa e filhos, colocá-los-á em  um colégio e dará cada gota de seu suor para conquistar esta nova terra, pois o São Francisco que passa por aqui é muito maior do que o que passava lá.

A cama e a chuva


Ouvi o barulho da chuva cair. Caía intenso como um fado bem cantado, meus olhos ainda cerrados, meu corpo desnudo e uma perna descoberta, me fizeram sentir o ar frio da chuva e o prazer em dormir sob tão bela  sinfonia.
Resolvo virar meu corpo para a esquerda e abro os olhos, tenho a mais bela visão que poderia ter. Ela ainda dorme! O som da chuva é para ela uma canção de ninar, para mim é uma bachiana regida por São Pedro.
Não me levanto, olho para nossa janela e vejo as fortes gotas de chuva que a atingem sem piedade, olho de novo para o rosto dela, beijo calidamente seu rosto e vou lhe abraçando aos poucos que, mesmo dormindo, o corpo dela, de extrema maleabilidade, vai se unindo ao meu. Tornamos-nos um!  O som da chuva é a única testemunha desta união.
Meus olhos permanecem fixos em minha musa adormecida que me paralisou, me fez uma estátua, tal como a Medusa, apenas abrindo os olhos. Fico estático, ela me abraça forte e me dá o melhor bom dia do mundo.
Enquanto isto, a chuva cai!

segunda-feira, 18 de março de 2013

Loucura Sagrada

Poema de Dom Helder Câmara

Sonhei que o Papa enlouquecia

E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano

E à Basílica de São Pedro.

Loucura sagrada!

Porque Deus atiçava o fogo que os

Bombeiros, em vão, tentavam extinguir.

O Papa, louco, saia pelas ruas de Roma

Dizendo adeus aos embaixadores

Credenciados junto a ele

Jogando a Tiara ao tibre.

Espalhando pelos pobres, todos,

O dinheiro do banco do Vaticano.

Que vergonha para os cristãos!

Para que um Papa viva o Evangelho

Temos que imaginá-lo em plena loucura

sexta-feira, 15 de março de 2013

SMS

   Recebi uma mensagem!
   Que bela mensagem!
   Que coisa linda!
   Como alguém pode escrever coisas tão lindas assim?
   Certas coisas simples mudam o nosso dia, o SMS é uma pílula de sanidade em um mundo de gente insana, o SMS é um golpe antidepressivo, é um pequeno conjunto de palavras que podem tirar a tristeza de um dia e fazer sua vida mais colorida.
    Ela me enviou um SMS falando coisas lindas.
    Logo para mim, esquecido por quem eu achava que me amava?
    A vida nos reserva surpresas infindáveis e misteriosamente deliciosas!
    Meu dia estava colorido graças às suas mensagens, porém nem todo SMS colore o nosso dia. Mais tarde  chega para mim uma mensagem aterradora.
     Minha ex-noiva me conta, via SMS uma verdade aterradora! Como ela pode querer acinzentar o meu dia desse jeito? Como ousa querer estragar a beleza do meu dia?
     Descubro que o SMS possui sua ternura, mas, as vezes, é carregado de covardia. Decido quebrar o silêncio, decido enfrentar as mensagens escritas e resolvo enfrentar com mensagens faladas.
     O telefone da EX toca! Ela atende com voz constrangida, digo-lhe verdades mais aterradoras do que as quais ela me escreveu, porém quebrei a frieza da mensagem escrita, enfrentei os demônios e os medos.
     Sem perder a ternura, ela ouviu pela última vez na vida eu dizer que a amo. Verdade aterradora, que estive pronto para dizer, mas não sei se ela estava pronta para ouvir.
      Desligo o telefone, me sinto leve, não sei como ela se sentiu do outro lado, apesar de ouvir a sua voz constrangida e envergonhada de si mesmo.
      Lembro-me da mensagem que me deixou feliz.
      Ligo para a moça.
      Também era necessário quebrar este silêncio. Ouvir a voz dela é melhor que ler suas mensagens!

quinta-feira, 14 de março de 2013

Rejeitado

     Rejeições à parte, nenhuma dói mais do que as sofridas quando se faz tudo certo.
     Quando, apesar do empenho, apesar da dedicação, dos versos construídos, das canções compostas, dos sonhos, olhares, preocupações com a aparência, a roupa, o hálito, a pele, a barba, o cabelo e tudo mais, enfim, faz-se tudo e ela, mesmo assim, obstinadamente, rejeita.
      Essa rejeição é quase impossível de engolir, não desse nem com água, nem com coca cola, talvez dessa com cerveja ou algo mais forte, uma vodka quem sabe, um absinto talvez.
      É como engolir um espinho de peixe. Sufoca, tira mais o ar do que um salto de bungee jump, se o sujeito for asmático é risco de vida! Sufoca até quase matar, o cara se salva se tiver ombro amigo pra chorar, um atendente no balcão do bar, um disco do Reginaldo Rossi, uma chuva caindo na hora ou muita fé em Deus, salvo do contrário, a morte é certa.
       O pior dessas rejeições é tentar entender os motivos e concluir que é simples.. ela não quer. Direito sagrado de toda mulher! Liberdade inalienável da moça perante o flerte!
        Engolir essa liberdade é demais para uma mente masculinamente treinada para conquistar e nunca perder. Ainda não inventaram Viagra que levante a cabeça superior, àquela que o cabra precisa erguer nesses momentos, mas não sobe nem com reza braba.
        Como reerguer-se após tantos sonhos dedicados? Tanto amor empregado? Tanto carinho? Tanto respeito?
        Todo o castelo de areia construído despenca, só sobram a consciência tranquila e um porre existencial.
        A vida tem mistérios indecifráveis. A mente da mulher que se ama é um enigma complexo e quase impossível de decifração. O coração dela pode ser tão inalcançável como um sonho, um devaneio, um desejo a se desejar em um eterno retorno!
       (Estou exclamante hoje!!!!!!!!!!!!!)
        Se você, caro leitor ou leitora, tiver a sorte de viver com quem você ama, lhe aconselho, aproveite cada instante, cada momento, esquente cada beijo, aperte firme em cada abraço, não perca a chance de dormir fazendo conchinha com o corpo de seu amor (seja esse amor quem for) e nem perca a chance de se apaixonar mais e mais, a cada amanhecer, entardecer e anoitecer.
       Se você, cara leitora ou leitor, vive a sua paixão no mundo real e não no platônico mundo das idéias, siga meu conselho... AME, mas ame muito, ame demais, ame com vontade, com voracidade, ame com tesão, ame com toda a sua energia e força, ame mais do que a sua própria alma!
        Caso contrário, bem-vindo ao time!
        Caso contrário, te desejo melhor sorte que a minha!
        Caso contrário, não desista nunca!
             

Um olhar para o meu passado

    Ouvir a voz dela foi estranho...
    Minha vontade de ouvi-la é confusa...
    A voz é a mesma, o jeito de falar idem, simples, direta, sem devaneios ou divagações, além do sotaque, extremamente mineiro.
    Meus motivos para o contato me incomodam, mas nada tira da minha mente de que preciso rever coisas do meu passado com ela. Coisas que envergonham, coisas que não deveriam ter sido feitas.
    Ouvir de novo a voz dela me deixou confuso e ao mesmo tempo temeroso. Será que ainda a amo? Será que o amor morre ou será que ele apenas muda de feição?
     Pensando bem, não há o que temer, ao mesmo tempo há motivos de pânico... Por que tanta dialética sentimental, tanto contorcionismo mental? Com tantas perguntas, outras acabam por surgir... Existe o amor romântico, eterno e imutável?
      Ela foi tão afável do outro lado da linha... já conheço essa simpatia de outros carnavais... tenho medo, mas agora não há como retroceder. Não posso desistir, estou a ponto de rever aquilo ao qual mais me envergonho na vida.
      Sim, sinto vergonha e culpa por algo que fiz.
      A culpa é uma forma de controle, mas também é um excelente álibi para nossas melancolias. Preciso me livras desta.
      Erramos as vezes por nossos feitos, outras vezes por nossos não feitos. As razões são diversas, mas nenhuma razão justifica certos feitos.
      Voltando para a voz dela... tão simpática... afetuosa me fez mais mal ainda. Porém, escrever este texto, digno de uma gaveta vergonhosa, é o meu exorcismo, uma carta para a minha solidão, uma mensagem para alguém bem perto.
       Estou melhor agora, continuarei a ler Camus!
       

quarta-feira, 13 de março de 2013

Marx

De Antônio Delfim Netto 
(Texto extraído de http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antoniodelfim/1245273-marx.shtml)


Em 22 de fevereiro último, Cassiano Elek Machado publicou, nesta Folha, erudita nota sobre a nova tradução de "O Capital", realizada pelo competente marxólogo Rubens Enderle. Esta será publicada pela editora Boitempo (o terceiro volume sai até 2015), que já tem no seu catálogo outras obras em traduções muito bem cuidadas dos textos restabelecidos pelas edições críticas (Mega) das obras completas da dupla Marx-Engels.

Cassiano colocou uma mesma pergunta ("Por que ler Marx hoje?") a mim e a três brilhantes filósofos, seguramente mais conhecedores da obra de Marx do que eu. Eles deram respostas argumentadas e definitivas. Eu, um modesto economista, pensei em me livrar dela respondendo simplesmente: "Porque Marx não é moda. É eterno".

Ledo engano. Recebi a cobrança de alguns elegantes leitores para que a explicitasse. Pois bem, os "marxismos" que continuam a infestar a história são modas: produtos de ocasião de pensadores menores. Há sérias dúvidas, aliás, que Marx tenha alguma vez se reconhecido como "marxista".

Mas a problemática que ele colocou --o que é o homem e como pode realizar plenamente a sua humanidade diante dos constrangimentos que lhe impõe a organização da sociedade-- é eterna. Ele teve muito cuidado em não explicitar a sua solução. Cuidado que não tiveram alguns que se pensaram como seus discípulos no século 20. Quando no poder, decidiram levar a sério a construção do "homem novo", o que terminou em tragédia.

Para dar um pequeno exemplo da intuição de Marx, basta lembrar que, no "Manifesto Comunista" (1848), ele revelou a propensão do capitalismo financeiro emergente e avassalador de produzir uma crescente concentração do poder econômico que, se não fosse coibido pelo poder político, levaria ao desastre social.

A financeirização que ele previa continua forte e abrangente no século 21. Por exemplo, nos últimos dez anos, as commodities tornaram-se ativos financeiros de fundos de investimento internacionais. Em 2000, estes não chegavam a US$ 10 bilhões. Em 2012, passaram de US$ 400 bilhões, um aumento de 40% ao ano! Há menos de 20 anos existiam mais de 20 "traders" de cada commodity (as oito mais importantes tinham mais de 160!). Houve a verticalização e fusão antecipadas por Marx.

Hoje, não passam de 15 organizações que financiam, compram, armazenam, transportam, vendem e especulam com o resultado do trabalho de bilhões de agricultores que não têm o menor controle sobre sua produção. A maior delas, a Glencore, que comercializa tudo, de petróleo e metais a açúcar e trigo, acaba de aumentar sua integração. Comprou uma participação na Ferrous Resources, em Minas Gerais.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Nem o Papa aguentou




No dia da renúncia do papa, uma amiga minha querida, portadora de uma personalidade difícil (acha quase todo mundo bobo), mandou-me uma mensagem assim: “Nem o papa aguentou!”.

Afinal, o que ele não teria aguentado? Peço licença à minha amiga nojenta para tomar sua exclamação e fazer um pouco de filosofia selvagem a partir dela. Antes, esclareço que não sofro do comum preconceito de pessoas inteligentinhas contra a Igreja Católica. Qual é esse preconceito? Hoje em dia, num mundo em que todo o mundo diz que não tem preconceito, o único preconceito aceito pelos inteligentinhos é contra a igreja: opressora, machista, medieval…

Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta.

Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um “mundo mau” pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes. Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.

Dizer que a igreja padece de males humanos e que compartilhou de violência de todos os tipos é óbvio demais para valer a pena um minuto de reflexão. Em jargão teológico, essa “dupla personalidade de bem x mal” não é bipolaridade moral, mas uma dupla identidade: a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus).

Portanto, não sou um desses ateuzinhos que, no fundo, não passam de “teenager” bravo porque o pai não existe. Parafraseando o grande Beckett, “God does not exist –that bastard!” (Deus não existe –aquele bastardo!).

Joseph Ratzinger (Bento 16) é um homem inteligente que quis levantar o nível do debate dentro da igreja e na sociedade como um todo. Um filósofo. Resistiu bravamente à contaminação por uma teologia populista e marqueteira, mas sucumbiu à ancestral vocação humana para a mentira e para a vida burocrática. Hoje, quase tudo no mundo é populista e marqueteiro; lembremos da máxima da grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís: hoje todo mundo quer agradar, até o metafísico.

Foi isso que o papa não aguentou: ele esbarrou no diagnóstico da contemporaneidade feito pela Agustina Bessa-Luís. Todo o mundo só quer agradar “seu eleitorado” e Bento 16 quis tratar seu eleitorado como gente grande. Resultado: angariou inimigos em toda parte porque rompeu o jogo comum de “falar muito e dizer nada”, típico da sensibilidade democrática em que vivemos e também da igreja na “sua base popular”.

Num mundo de sensibilidade democrática, ninguém quer saber de nada a sério. A “afetação infantil” (Bessa-Luís, de novo) nos define. O “povo é sempre lindo e certo!”. Na democracia, a soberania do governo emana do povo; daí que achar que o “povo é sempre lindo” é um efeito colateral deste modo da soberania. Logo, todo o mundo só quer agradar, e Bento 16 não quis agradar, quis falar a sério.

Sucumbiu às intrigas palacianas, à inércia da estupidez do mundo de ruídos e baladas metafísicas.

As pessoas odeiam quem quer falar a sério. Não querem mais um papa, e sim um consultor de sucesso espiritual e Ratzinger não tem vocação para isso. A maioria das pessoas quer apenas comprar, divertir-se, ter uma autoestima alta, gozar livremente, não sentir culpa alguma; enfim, ter uma vida moral de criança de dez anos de idade.

Nem o papa aguentou. Preferiu “fracassar como Sócrates” a vencer como um demagogo feliz. No início da quaresma (período em que devemos refletir sobre nossos demônios), denunciou com sua renúncia o mais velho demônio da igreja: a política.



Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 15.02.2012)  | Outra fonte para este artigo:

http://avaranda.blogspot.com.br/2013/02/nem-o-papa-aguentou-luiz-felipe-ponde.html
** ESTE ARTIGO É PROPRIEDADE INTELECTUAL DO AUTOR E DO JORNAL QUE O PUBLICA **

Conclusões epistemológicas

    O dia está cinza, uma chuva fresca e insistente cai do céu, ao meu lado, uma simpática alemã desfila seu arsenal linguístico. Sim, ela fala português, muito bem por sinal.
    De tudo chego à conclusão de que existem alemãs simpáticas e agradáveis. Esta é uma descoberta que vale o dia.
    Seu jeito despojado, se pé calçado por meias brancas e nada mais (poucas coisas são mais excitantes que isto), suas pulseiras de hippie e sua bata indiana, são as maiores quebras de estereótipo de toda a minha vida e a prova cabal da eficiência da globalização.
    Ela traz consigo um roteiro de viagem, afinal, ela é alemã. Parece programar os próximos passos de sua imensa aventura. Seu olhar pela janela do ônibus é um misto de espanto e admiração. Tento penetrar em seus pensamentos, mas ela é tão linda que fico desconcertado.
    Seu sorriso envergonha, é uma verdadeira afronta! Como pode ter um sorriso assim tão belo e acolhedor? Se eu fosse mulher usaria uma burca ao estar no mesmo ambiente que ela. Se bem que a beleza e a feiura estão mais ligados à uma metafísica ontológica de que a uma questão estética. Posto isto, a beleza dela é uma fenomenologia metafísica epistemológica, construída historicamente e amplificada pela estética que lhe é favorável, ou seja, uma beleza no tempo, um Dasein narcísico. Pronto, uma alemã pode inspirar profundos entendimentos filosóficos das coisas.
    Traduzindo, sentei-me ao lado de uma deusa, da qual desconheço ritos, cultos e rezas.
    Pensando melhor, acho que tive sorte!

quinta-feira, 7 de março de 2013

Panapaná

Panapaná
profícuo e pressentido!

Panapaná
violento, assíduo, comprimido, sacro santo!

Panapaná
desejoso, brioso, sanitário, adornado, contornado!

Panapaná
sem parar!

Panapaná
a me violentar!

Panapaná
querendo-me mais!

Panapaná
surgindo no instante de me livrar!

mais um panapaná!


quarta-feira, 6 de março de 2013

Paixonite aguda


       Estou apaixonado, não me pergunte por quem, existem homens que nascem com uma multiplicidade de paixões insaciável.
       Qual será o número de mulheres, ao qual sou capaz de amar?
       Estou apaixonado por aquela menina que não quer conversar comigo só para fazer charme.
       Estou apaixonado por sua amiga, corporalmente, muito mais bela.
       Estou apaixonado pela amiga das duas, pois seu olhar denuncia o tamanho de seu desejo e de entrega na cama.
       Estou apaixonado pela amiga que conversa diariamente comigo e que tanto me apraz a sua amizade, que me faz gostar de músicas que não gosto e a ter uma imensa vontade de ir a lugares que eu não queria ir.
      Estou apaixonado pela loira bem resolvida que conheço faz um tempo e que de tão independente me faz sentir-me pequeno e inútil.
      Estou apaixonada pela sua amiga, que namora um cara super legal, pelo qual, ela é completamente apaixonada.
     Estou apaixonado por minha ex-namorada. Quem disse que amores são para ser esquecidos? O que sinto por ela está bem guardado em uma gaveta de fácil acesso.
    Estou apaixonado por outra ex-namorada. Ela já está para se casar, mas e daí? Quem disse que não posso amar as mulheres que não mais terei?
    Estou apaixonado pela menina que me fez companhia no ônibus, pela menina que conversou comigo recentemente, pela menina que me contou coisas bem pessoais e me fizeram vê-la com outros olhos.
    Estou apaixonado pela menina que fiz cócegas, que forma estranha de amar!
    Estou apaixonado pela menina que me inspirou a escrever uma crônica em plena segunda-feira.
    Estou apaixonado pela pintora que reclamou da falta de inspiração e do vazio criativo.
    Estou apaixonado pela menina que desviou seu olhar de mim. Ela quis me dizer muito e disse.
    Estou apaixonado pela mulher que me enviou hoje um sms! Ela sempre foi a mulher da minha vida e a perdi. Sei que para sempre vou amá-la, sei que jamais vou esquecê-la.
    Realmente ando muito apaixonado! Preciso de terapia.

Segunda semana sem ela


         Faz duas semanas que tudo terminou. Terminou porque tinha de terminar, como tudo na vida haverá de terminar. Terminou porque quis assim a vida!
        Na primeira semana que se passou, algo estranho aconteceu. As chuvas, que sempre se dignaram a ser as primeiras e mais agradáveis testemunhas de nosso amor, teimaram em não vir. Concluí com isto, que São Pedro havia me dado o devido recado e que era o fim mesmo e que deveria encontrar o caminho para recomeçar.
       Mas nem todo recomeço é fácil e a luz dela me veio como assombro nesta manhã! Ela estava radiante, bela, cheirosa. Sabia de onde ela vinha, mesmo sem ter me falado ou perguntado. Temos uma cumplicidade em planos não materiais. Entendia aquele cansaço e seus motivos, entendia que mesmo assim ela precisava de um ombro para continuar o que estava pendente.
      A vi e passei o dia sem entender as implicações deste encontro. A vi e só entendi no silêncio da madrugada que aqueles olhos melancólicos eram a contradição de um rosto radiante. A vi e só agora notei que eu ainda a amo, mas de um jeito tão diferente que não consigo descrever sinteticamente o que ela me faz.
     Conheço aquele sorriso, mas também conheço aquele olhar e nada me tira da cabeça que algo poderia ser diferente, mas apenas em outro plano, apenas naquele plano não material, no qual somos eternos e futuros amantes.

Carta aberta a uma musa


           Pois é! Queria te escrever um poema, mas na minha completa inaptidão em fazê-lo, resolvi ser um poeta sem versos. O que parece loucura, um desvario, um devaneio ou uma contradição, mas, se fosse descrevê-la em versos, soaria por demais piegas ou exageradamente romântico. Portanto, escolho a racionalidade da narrativa, a frieza da construção frasal, os períodos e predicados mais apropriados, pois, se é esta a parte que me cabe no latifúndio da poesia, que nela eu permaneça a poetizar sem versos, métricas, rimas ou concretismos.
           Ver você é uma experiência existencial. Seu sorriso perpassa a lógica existente na construção anatômica das feições e, principalmente, qualquer semblante soturno que lhe apareça. A essência do homem que lhe contempla certamente se transforma, faz de sua existência algo novo e renovado. Faz da ausência de sentido, o maior sentido de todos. Constrói uma contrariedade coerente e contraditória. Seu sorriso me faz ter uma crise existencial e vê-lo é uma mística de mais alta beleza.
          Para compor esta obra da criação há uma pinta. Esta pinta!
          Estrategicamente próxima à boca, faz da Monroe uma amadora em matéria de sedução automática.
Sim, sedução automática! Termo por mim inventado que significa:
“Você não precisa fazer mais nada, já estou de quatro por você! Já estou lambendo o chão! Já estou beijando os teus sapatos! Já estou entregue aos teus braços da forma mais exagerada que puder imaginar!”
          Perdoe-me o excesso de exclamações no texto, mas é que elas expressam o meu estado de assombro diante de tanta beleza.
           Mas há algo que não falei ainda e que resplandece em ti mais que tua beleza... O brilho dos teus olhos!
           Eles possuem um brilho raro, são tal qual farol em plena noite escura. Basta te olhar e se encantar com tamanho brilho, tamanho magnetismo, tamanha força de existir!
           Você é apaixonante, mas não estou apaixonado.
           Estar apaixonado por você é um estágio tão sublime que não sou digno de alcançar. Seria um eterno retorno daquilo que não poderia ser, ou, simplesmente, não seria.
Estar apaixonado por você seria olhar para dentro de mim e buscar por algo que não possuo. Seria lutar pelo infinito, sendo finito. Pela completude, sendo incompleto. Pelo sublime sendo, por demais, limitado.
Não sei se algum homem se dignou a lhe escrever um poema. Não dê crédito aos que tentarem. Somente os gênios, conseguem por em versos a magnificência que és e que em prosa tentei sintetizar.