sábado, 24 de outubro de 2015

Esperando Foucault

     Estava lendo um livro de Antropologia, cara, isso é do caralho. Então ouvi alguém bater à minha porta. Não costumo receber visitas, principalmente sábados. Todos vivem muito aos sábados, conversam com muita gente, fazem planos e programas, eu não. Finco minhas nádegas em uma poltrona e leio aforismos. A vida é um martelo aos sábados.
     Atendi e a pessoa que se apresentou era estranha, nunca vi o sujeito em minha vida e, como sou muito desconfiado e precavido, o mandei entrar e lhe servi um chá preto e biscoitos.
     Olhei para o ser e este ser me olhava, seu olhar era um veredito kafkiano e não entendi o que ele fazia em minha casa, até que ao romper do silêncio o homem desanda a me dar informações altamente irrelevantes sobre sua vida pregressa, seu tipo sanguíneo, sua saúde e algumas alergias, passando por seu passado sexual, onde o mais interessante era uma gonorreia contraída na juventude, depois de um devaneio sexual com uma moça de vida sexual levada ao limiar do profissionalismo, mas sem os devidos cuidados.
      Não entendia o porque das informações, então comecei a ouvir suas ideias sobre como o governo, o sistema e o capital nos dominavam e suas predileções políticas.
      Em meio ao inflamado discurso, listou uma série de atividades que teria de executar no dia seguinte e fiquei a me perguntar o que raios ele fazia na minha casa, até que ele solta um grito meio louco, meio racional.
      - Vim até aqui, pois estou esperando Foucault!
      Olhei fixamente para o distinto senhor e lhe dei um soco no estômago.
      - O senhor é maluco - Disse-lhe guardando alguma docilidade.
      - Não sou! Sei que parece estranho, mas o estou a esperar e aqui é melhor lugar para isto.
      Como qualquer pessoa sensata faria em meu lugar, olhei para aquele senhor, me sentei ao seu lado e me pus a falar aforismos.
      A noite passou e Foucault não chegou. Enfim, devia estar ocupado pensando no biopoder ou algo assim. O homem se foi e nunca mais apareceu, talvez tenha encontrado com ele em algum lugar diferente do combinado, o Waze deixa a gente perdido de fez enquanto.
      Voltei para meu livro de Antropologia. Cara, Antropologia é do caralho!
 

sábado, 10 de outubro de 2015

Tempos perdidos de uma natureza morta

Joaquim vinha de mais uma dessas passeatas que falam de comunismo no Brasil, foro de São Paulo, redução da maioridade penal, gayzismo, enfim essas merdas todas. Sua camisa da Seleção Brasileira estava encharcada de suor, mas sua alma carregava uma certa sensação de dever cívico cumprido.
No meio do caminho Joaquim olha para os lados e vê dois homens se beijando de forma um tanto quanto inflamada, não pestanejou e gritar vitupérios ao apaixonado casal.
Os jovens não se importaram, como dizem os antigos, não deram pelota para os xingamentos de Joaquim. Obviamente nosso amigo reacionário ficou altamente ofendido, pois suas ofensas deveriam ofender e, uma vez que o ofendido não se portou como tal, praticou ofensa reversa, num processo de raciocínio lógico que deixaria um par de matemáticos e filósofos debatendo por três semanas.
Os beijos permaneciam ardentes e a bandeira que Joaquim usava, a qual continha os escritos com letras garrafais, "Bolsonaro Presidente", começou a servir-lhe de toalha para sua excessiva sudorese.
O casal pensava em nada naquele momento. O leitor deve saber do que estou falando, se não sabe, tenho pena de você.
Criou-se então uma tela dantesca de uma natureza morta, um casal que não via o mover do tempo, pois estavam a exercer o mútuo amor e um homem que aos berros exercia seu ódio infeliz,
A cena assim permaneceu por longos 15 minutos, onde os beijos ocorreram a contragosto do litigante e Joaquim olhava para aquilo sem entender nada até que um rapaz passou de lado e viu a cena, 
O rapaz apareceu ao lado de Joaquim e começou a discutir com Joaquim. Ele também vinha da manifestação e defendia os mesmos princípios e valores. A conversa rendia lindamente, pareciam feitos um para o outro, viam o mundo da mesma forma, amavam as mesmas coisas, queriam as mesmas coisas e as semelhanças eram tantas que começaram a sentir uma incrível vontade de continuar a conversa em outro lugar.
Joaquim foi com o rapaz para um bar ali perto e começaram a tomar uma cerveja, enquanto isso, o casal que estava tão apaixonado começou a discutir por algum motivo desconhecido até pelo cronista desta história (lamento caro leitor).
Joaquim e o rapaz iam de vento e polpa, não paravam de rir, conversar e tomar cerveja.
O casal apaixonado foi embora brigado, tendo cada um tomado direção contrário do outro, com lágrimas em seus olhos.
Joaquim, sentiu seu coração dando uma pontada estranha, uma paz, um arrebatamento de sentidos muito estranho enquanto estava com aquele rapaz. Tratou logo de pagar a conta e ir embora o rapaz pediu o contato de Joaquim, ele inventou um número de telefone e um email que o tornariam impossível de se encontrar. Saiu correndo do bar e tentou encontrar o casal apaixonado.
Não os encontrou, obviamente, o leitor já deduziu isso.
Sentou-se na calçada e chorou. Suas lágrimas possuíam um estranho sentido, nunca dantes sentido.
O casal se encontrou no dia seguinte e resolveu seus problemas levando suas vidas da melhor maneira possível. O tempo perdido da noite anterior em meio a discussões e lágrimas foi maduramente superado.
Joaquim passou dias tentando entender seus sentimentos. Não conseguiu. Mas uma certeza carrega consigo, toda fez que ver um casal de homens irá gritar os mais altos e violentos xingamentos. Quem sabe ele encontra alguém parecido com o rapaz da noite anterior, afinal o antinatural precisa ser combatido, ainda que seja por uma natureza morta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Selvática de Karina Buhr - Um disco urgente





O novo disco da excelente cantora Karina Buhr é um disco urgente para a cultura brasileira e para nossos tempos obscuros, onde, parece que tudo que cheira à brasilidade é ruim e banal, pelo menos nesse novo inconsciente coletivo de um conservadorismo cultural e político patético que tem assolado a mentalidade brasileira.
Especialmente na faixa que dá nome ao disco, Karina explora sons e formas que misturam um discurso político a uma musicalidade de altíssima qualidade.
E que discurso é esse?
O discurso de que precisamos nos olhar com novos olhos, buscar mais igualdade e respeito, lutar por uma sociedade melhor e mais respeito às mulheres, pois, apesar do que dizem por aí, ainda há muito, mas muito machismo em nossas terras,
Em tempos onde feminismo é tido como algo de "feias mal comidas", Karina tem a coragem de se desnudar artisticamente em sua obra e quem ouve Selvática com ouvidos minimamente sensíveis não pode sair como entrou, mas algo dentro de si tende a mudar.
Sem dúvida este é um dos melhores e mais importantes trabalhos musicais da década presente e ainda bem que temos ainda artistas do nível de Karina, pois nossa decadência intelectual ainda pode ser vencida.
Viva a Selvática.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Presente de Hermingway - Parte II

    Ontem, depois de publicar uma rápida crônica sobre minhas impressões acerca da obra "O velho e O mar", resolvi me entregar a um de meus vícios. Ao contrário do mestre da literatura supra citado, não bebo álcool, sou viciado em chá inglês, uma espécie de raio de sofisticação para o meu grosseiro paladar.
      Degustava meu chá na solidão do meu quarto ouvindo músicas tristes, porém belas (estas são as melhores), quando ouço alguém bater-me a porta. Para meu espanto era Tio Nelson, o maior de todos os mestres da crônica. Estou certo que muitos discordam de minha opinião, mas Nelson Rodrigues é, ao lado de Machado de Assis, o maior escritor nascido dentre nós.
       Tio Nelson é para mim um inspiração atroz! Sua metafísica e seu realismo cru me fazem, todos os dias, um "ex-covarde". Chamo de tio, porque tenho por sua figura um amor parental, quase rodriguiano, se é que você me entende.
       - Trouxe-lhe uma surpresa meu caro! - Diz Tio Nelson com seu estilo peculiar, carregado de um formalismo quase britânico. - Aqui está o tal Hermingway!
       Para meu espanto, havia um sujeito bêbado, desses bem bêbados mesmo, encostado num poste da minha rua e era o distinto autor. Fui correndo ao seu encontro e lhe disse:
        - Mestre!
        - Não sou mestre de ninguém - Responde asperamente.
        - Ora Ernesto - Disse Nelson com ar de chanchada - O rapaz está estupefato por te ver, você precisava ver como ele ficou quando me viu...
        - Não me interessa - Deu mais uma golada em uma garrafa de whisky que é servida apenas no céu dos escritores. Conheço a marca, é bem forte.
        - De toda forma, foi muito importante para mim, ler sua obra! - tentei retomar a conversa.
        Hermingway me olhou e me desafiou para uma luta.
       Aceitei de pronto, apesar de não ser uma habilidade da qual possua em abundância.
       Mal tirei meu paletó recebi um direto no queixo e vou ao chão.
        Nelson, desce e me olha de forma irônica, como alguém que está próximo de uma pródiga gargalhada.
         - Levanta meu querido! Sua valentia foi admirável! Você tem o élan que eu imaginava, será o meu personagem da semana. , Diz Nelson, sendo mais amigo que o comum.
         - Mas tomei uma surra e nem consegui reagir...
         - Meu caro, você não entendeu que é isto que a literatura de nosso amigo Ernesto faz com as pessoas? - Nelson parou por um instante, parecia que ia declamar Shakespeare - Meu caro, envelheça, com toda urgência, envelheça! - Diz Nelson balançando os braços como se a rua de minha casa fosse um palco para o teatro.
          Hermingway não disse mais nada e Nelson se foi junto com ele. Mais um encontro desses e vou precisar de reconstrução facial.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Presente de Hermingway

    Existem idades ingratas quando a vida não se apresenta da maneira sonhada, pensada e idealizada. Existem momentos que o peso da existência, o mal estar no mundo e do mundo, a incompletude diante da ignorância cada vez mais flagrante e a reflexão sobre aquilo que foi feito no passado sobem à cabeça e deprimem, tornando uma data que poderia ser alegre em motivo de tristeza.
    Mas o mestre de Gabriel Garcia Marques, o maior escritor da língua inglesa do século passado e um dos maiores contemporâneos veio com sua narrativa cortante presentear este pobre escriba, que ainda não abraçou a escrita como profissão e modo de vida, mas como paixão e sonho.
     Em minhas mãos caíram o clássico " O velho e O mar", sem dúvida, um livro urgente, um livro necessário, um livro eterno, um clássico na melhor acepção de Ítalo Calvino, uma obra atemporal.
     Nele, Ernest Hermingway trabalha uma narrativa limpa, com poucos adjetivos e com um ritmo admiravelmente encantador, contando a história de um homem que nada de relevante consegue em seu ofício por 84 dias e no, octagésimo quinto, inicia uma batalha sem par com um peixe incrível, sonho de qualquer pescador, realização de uma vida.
      Não contarei a história, apenas direi que me senti como o velho, navegando em um mar incerto que é a vida, que ainda está longe de alcançar o pretendia e o que esperava, mas, que não desistiu ainda de encontrar a pesca perfeita, que está disposto a ir bastante longe para tentar e lutar. Hermingway, nos ensina que a vida não vale a pena para os covardes e que até os fracos, sendo corajosos, serão capazes de feitos enormes.
      O presente de Hermingway é ganhar um lenitivo para os males da minha alma, ninguém saberia me mostrar de forma mais clara e inequívoca quais caminhos deverei trilhar. Depois da leitura de hoje, abraço este escritor da vanguarda literária americana e engrosso o coro, ao lado de Gabo, grito Mestre! E encerro qualquer coisa que teria de dizer sobre "O velho e o mar", um livro eterno.

sábado, 12 de setembro de 2015

Novas obras conduzem população a andar em círculos

     As novas ações da prefeitura de Kafka City tem sido altamente perturbadoras. O Programa Metamorfose, que tem por razão existencial a revitalização da cidade está trazendo maiores transtornos do que o esperado. Exemplo disto, é a via de acesso construída para melhorar o tráfego próximo à Praça Gregor Samsa.
     Neste, que segundo urbanistas entrevistados (que não quiseram se identificar com medo de represálias), o usuário praticamente entra em um espiral de ruas e avenidas, que somente os grandes gênios da humanidade são capazes de guiar de forma racional,
     Ao que parece, estas obras foram, propositalmente construídas para serem o maior erro da história da engenharia de tráfego de todos os tempos.
     A prefeitura não quis se pronunciar, mas continuaremos a narrar as crônicas de nossa absurda cidade.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Crime choca KafkaCity

     Nesta sexta-feira, 11/09/2015, KafkaCity se assombrou com o crime cometido nos arredores da Rua do Processo, lá uma mulher mata outra à base de colheradas, pasme caro leitor, colheres de diversos tamanhos foram usadas como armas de tão atroz assassinato.
      A senhora Júlia Andrade Freitas Albuquerque de Santos Costa e Silva protagonizou tal desastre em desventura da senhorita Adriana Magalhães Brito Joaquina Borges de Santana. Ambas discutiam de forma calorosa acerta da melhor maneira de se pronunciar o nome de um dos mais tradicionais tubérculos da cozinha brasileira, a famosa mandioca ou como preferem outros aipim ou ainda macaxeira, não importando a forma que, a qual, o caro leitor tratará referido alimento, ressaltando que foi este o móvel de tamanha desgraça.
       Tudo começou na feira do corvo, onde as distintas damas se viram pela primeira vez, sendo a senhorita Adriana uma distinta feirante, fazia seu trabalho com o esmero costumeiro, enquanto isto, a senhora Júlia fazia suas compras para a casa, tal qual estava habituada. Neste ínterim, Júlia pergunta o preço do aipim, posto que o mesmo não estava identificado de forma devida. Adriana responde que não vende o referido item e que procurasse em outra banca, pois nunca ouvira falar de tal expressão.
        No mesmo instante, Júlia aponta para o aipim identificando-o. Adriana, diz então que a mandioca custa R$ 2,50 o quilo. Júlia não se conforma com a frase proferida por Adriana. Segundo testemunhas a discussão se iniciou neste momento com os dizeres abaixo:
        - Como assim mandioca?
        - Ora pipocas! É o nome do produto!
        - Então agora deram para inventar nomes para as coisas, Deus deu essa tarefa para Adão e não para você sua feirante de quinta.
          - Pois vá a senhora lavar um bom tanque.
          Finda a discussão os presentes viram a superioridade retórica da senhorita Adriana, fazendo troça da senhora Júlia.
          Terminado o dia, Adriana repousava em casa quando é convidada para um encontro de boêmios amigos na Rua do Processo, esquina com a Praça Gregor Samsa.
          Pois veja o leitor, que a morte é uma perseguidora implacável e digo mais obsessiva.
          A senhora Júlia que, quase nunca sai, senão para deveres relacionados a sua atividade de ativa dona de casa, excetuando-se os deveres religiosos, resolve ir a uma festividade que ocorria na Praça Gregor Samsa, onde eram servidos toda a sorte de caldos de legumes para a alegria dos que aproveitam os tempos frios para consumo destas distintas iguarias.
          Após negar-se a comer o mais popular dos caldos da festa, o famoso caldo de mandioca, dado que mesmo lhe trazia lembranças lúgubres de uma manhã altamente mal sucedida e se decepcionar tenazmente com todas as outras opções presentes na festa, resolve então voltar para sua casa, na altura 35 da Rua do Processo.
           Foi neste momento que o destino fez mais uma das suas, fazendo-as se cruzar naquele momento.
           E não tenha dúvida o caro leitor que o mal pode se manifestar em qualquer um, em qualquer instante, pois a vida é absurda. Em um rápida troca de olhares, Júlia vê Adriana e corre para dentro de casa em busca de algo que somente o diabo poderia lhe dar, as armas do crime.
           Diante de si, havia uma série de colheres grandes e pesadas, usadas para cozinhar em panelas bem grandes, duas de madeira, duas de metal. Júlia sem titubear corre na direção de Adriana, que sem acreditar na forma ridícula que estava sendo atacada, põe-se a rir.
          Enquanto ria recebeu dois golpes fortes diretos na face. Até agora os legistas estão tentando entender a mecânica dos golpes e como alguém morre de forma tão ridícula assim apenas por sua retórica superior e uma pequena divergência vernacular.
         A senhora Júlia será julgada e absolvida pois não há justiça em KafkaCity, há apenas o senso de se viver no absurdo.

Não conseguia parar de pensar nela - Uma crônica de Kafka City

      Os afetos afetam.
      A frase acima, além de terrivelmente mal construída, era o primeiro verso do poema de Pedro. Sua alma estava envolta de uma aura de paixão e amor nunca antes experimentada.
      O caro leitor, que de trouxa nada tem, deve saber que nestes momentos o homem se torna ou um pária da sociedade, isolado em seu mundo particular de romantismo, tendo sua existência a gravitar em torno de sua amada ou apela para a total cafonice, onde nascem as canções de amor mais bregas e desesperadas, algumas piores que as sofrências musicais que tanto sucesso fazem nas rádios brasileiras.
      Pedro vivia a segunda hipótese, seu coração era de Ana, mas Ana era sem graça e nada parecia chamar atenção na pobre moça, mas nada disso atrapalhou nosso romeu, que de posse do pior poema romântico que alguém poderia compor foi a procura de Ana.
       Ela nunca havia dado nenhuma espécie de esperança ao pobre Pedro e nós seus amigos o alertamos para este detalhe, para que haja amor entre duas pessoas ambas devem consentir de alguma maneira, porém Pedro era obstinado, sua paixão de fato era fora do comum e nada o demoveu de seu intento.
       Movido por uma daquelas paixões de filme ruim americano (quer algo pior que comédia romântica?) vestiu um terno, pôs um cravo na lapela (nunca faça isso, é cafona), comprou um buquê de rosas vermelhas e, junto de um grupo de seresta bem ruim, iniciou uma serenata para sua amada. Começou com "Carinhoso" de Pixinguinha e foi passando pelo cancioneiro popular romântico brasileiro. O estranho é que Ana não abria sua janela, embora tenha acendido a luz de seu quarto e era possível ver a sombra de sua silhueta.
       Ciente de que a moça poderia estar tímida ou coisa que o valha, Pedro interrompeu os músicos que tocavam "Futuros Amantes" do Chico Buarque (ele interrompeu na pior hora, essa música é ótima), e começou a declamar seu poema.
        Ana abriu a janela enfim e ouviu verso por verso. Pedro declamava como um ator de tragédia grega, como um Hamlet que ignorava aquilo que havia de podre no reino da Dinamarca, como um personagem de filme argentino misturado com canastrões da pornochanchada e Ana apenas ouvia sem manifestar reação. Mais para o fim, Pedro estava perdendo a fé no verso e se ajoelhou oferecendo a Ana um buquê de rosas e a chamou para recebê-lo e juntamente com ele toda a profundidade de seu amor.
         Ela olhou para as flores, lindas flores e desceu. O coração de Pedro saltitava. "Deu certo", pensava o pobre werther.
          Ana abriu a porta e junto dela havia outra mulher, Sabrina era seu nome.
          Sabrina caminhou em direção de Pedro e deu-lhe um tapa daqueles que estalam até a décima quinta geração e disse a Pedro que não mexesse com sua namorada, tomou as rosas da mão de Pedro se ajoelhou diante de Ana e pediu sua mão em casamento. Ana prontamente aceitou, ambas se beijaram como se estivessem em uma cena de "Azul é a cor mais quente". Todos ficaram a admirar a situação e Pedro, bem, seus piores pesadelos se tornaram realidade, foi uma noite para se esquecer,
          Ele sumiu, largou emprego, vendeu tudo que tinha e foi embora sem se despedir, o que gerou efetiva e efusiva raiva dentre seus poucos e fiéis amigos.
          Um ano depois, Pedro vem à redação do jornal me procurando. Entra em minha modesta sala e, como quem está cheio de vergonha, me pede um favor:
           - Posso anunciar meu casamento no jornal?
           Olho para ele sem ressentimentos, mas nutrindo um salutar desdém e lhe dou a mais diplomática das respostas.
            - Claro, sem problemas. Voltou para cá?
            - Sim e volto casado.
            - Por que quer então anunciar um casamento já consumado?
            - Ana precisa ver que dei a volta por cima!
            Meu desdém por Pedro se potencializa, achei ridículo mas não levaria isto para o pessoal.
            - Qual é o nome da felizarda? - Pergunto com ar de ironia.
            - Arnaldo.
           Paro por um minuto e olho para Pedro sem entender.
            - Cara - começa Pedro a se explicar - No começo não entendi como Ana poderia me rejeitar, sou o homem ideal para qualquer mulher, então pensei que ela não me quis porque Sabrina tem algo que não posso dar.
           - Sim, Sabrina é mulher e ambas se amam, são lésbicas.
           - Não é isto, homossexualidade se aprende, então aprendi a gostar de homens, não conseguia parar de pensar nela.
           - Deixa eu ver se entendi - me ajeito na cadeira - Você está casado com um homem só porque uma mulher te rejeitou e você não quer admitir?
           - Você está sendo preconceituoso.
           Meu punho se fecha e olho nos olhos de Pedro com toda a intensidade de minha alma.
          - Cara, se você o amasse de fato te daria os parabéns, mas você está usando o cara como uma fuga, não posso concordar com isto. Você ama Arnaldo?
          - Não é da sua conta.
          Pedro se levanta e sai pisando duro, no dia seguinte escreve um manifesto e distribui pela cidade a história que sou homofóbico e que meu jornal o discriminou.
          De fato, gosto de publicar somente a verdade desta cidade. Nada de amores forjados sob a égide do ressentimento.
          Felicidades ao casal.

P.S. Fui processado. Irônico não?        

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Na balada com uma jovem atriz

      Nunca fui afeito à baladas ou festas do tipo, nem quando era adolescente achava nisso algum prazer ou satisfação. Sempre preferi uma boa prosa, sentar em um bar, trocar ideias filosóficas com os garçons e os bêbados e entender a política externa de seu país a partir a  acurada análise de nossos amigos ébrios. Ou então sempre gostei de ir à Igreja, sim caro leitor, sou um homem de fé, apesar da vida ser esta provocação.
       Apesar da delongada introdução de minha crônica de hoje, juro que não demorarei a terminá-la, estive em uma balada. Escrevo esta crônica chegando em casa dessa balada. Nela pude degustar do maravilhoso sabor dos energéticos (como gosto de energético!) e da companhia de uma jovem atriz que me ensinou muito sobre ter autoestima e sobre o valor do amor.
        Nosso encontro foi casualmente normal, nos conhecemos em outro evento social. Lá notei que gosto de sua companhia e, ao que se indica, me parece que ela se agrada da minha companhia também. Na outra ocasião conversamos pouco, dançamos muito, e o cronista que vos escreve, parecia um drogado de êxtase em seu estado de graça, embora nada tenha consumido senão inocentes refrigerantes.
         Penso que a jovem atriz me inspira a fazer personagens a compor uma antítese de meu natural comportamento, sinto que a jovem atriz me causa uma euforia da qual não estou habituado, ou não lembro de tê-la tido em minhas fracas memórias.
          Porém desta vez algo foi profundamente distinto. A jovem atriz produziu em mim o mix de sensações de sempre mas como algo deveria ser diferente nesta noite, algo deveria acontecer, algum desassossego passou a me ocupar. Jovem Atriz (agora se torna um substantivo próprio e não mais um adjetivo) me traz a um canto. Na verdade, as mulheres não chamam, mas induzem o homem a fazer aquilo que elas querem e é essa uma das razões que me faz um diletante amoroso de todas as mulheres do mundo.
          Me aproximo de Jovem Atriz e começamos a conversar sobre a única coisa não que podemos domar... a vida. Falamos de nossos sonhos mais íntimos, trocamos segredos picantes e apesar de sua jovialidade, Jovem Atriz revela-se e adulta, compreensiva, altiva e divinamente interessante de se ouvir e confiável para se falar.
          Jovem Atriz é apaixonante e encerro esta anti-crônica, dizendo a ela que gostaria de vê-la mais vezes, dizendo que minha vida seria mais colorida se eu pudesse ter um pouco mais de suas cores, que ela é graciosa nos palcos, mas que seu personagem de mulher real, ao qual tive a honra de presenciar, é deveras mais interessante.
           Não pude ficar até mais tarde, tive de me despedir de Jovem Atriz, mas estou certo que sua presença permanece em mim, pois certas pessoas entram em nossos poros e acabam por fazer parte de nosso sangue, tornando-se inesquecivelmente inesquecível. Pois, todas as flores tem o perfume de Jovem Atriz, todas, até as que não cheirarei jamais.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Um reencontro com Personagem

     Recentemente reencontrei Personagem andando pela cidade. Caso o ilustre leitor não se recorde Personagem é um indivíduo medíocre que conheci e, de tão medíocre, recusei-lhe um nome, pois um cretino fundamental rodriguiano não merece sequer ser nominado.
      Voltando ao reencontro, Personagem continua o mesmo, incrível sua resiliência perante sua inutilidade pretérita, presente e, ao que tudo indica, futura. Eis outra característica dos medíocres, não desistem de sua mediocridade, não se imaginam sem ela, dão à própria idiotice status de qualidade e suas fontes de conhecimento acabam por redefinir sua curva de caráter altamente duvidoso.
        Ainda não consegui contar como foi o encontro.
         Personagem vinha em minha direção e, simpático homem que sou, fiz-lhe face afável e tentei esboçar um sorriso que, apesar de amarelado, é legítimo, pois meus sentimentos por Personagem são quase que fraternos. Pena que o homenageado de minha crônica não pensa desta maneira.
         O mesmo só não mudou de calçada por inviabilidade logística, cerrou o semblante e evitou olhar em meus olhos. Pobre diabo é meu caro personagem, sua inépcia não lhe permite discernir a realidade nua e patente de meus probos sentimentos. Personagem quase passa por cima de mim sem dizer palavra, quase me deixa a olhar as sombras de suas idiotices imortais, A enorme fraternidade que lhe devotava transforma-se em pena.
         Mas aviso ao distinto leitor, sentir pena não um sentimento saudável, logo senti pena de mim pelo meu próprio sentimento de pena, tornando tudo um círculo interminável que, tal qual, uma sequência de Fibonacci, sempre recua para ir adiante.
           Concluo meu devaneio com a teoria que olhos patéticos não conseguem olhar em olhos que não lhe aplaudem, pois o idiota só espera da vida duas coisas, ouvintes e aplausos. Enquanto o sábio em sua sabedoria, só quer uma coisa, paz de espírito diante de um mundo cheio de Personagens.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Sense8! Uma série de tirar o fôlego

   Terminada a primeira temporada de Sense8 fico com a sensação de fazer parte de um dos 8 protagonistas dessa genial série.
     Não quero pagar uma de critico especializado, porque não o sou, apenas quero dizer que fiquei aterrado sem comer ou dormir direito até ver o desenrolar da primeira temporada, que vinda deixando uma série de pontas soltas para serem resolvidas em uma temporada seguinte, a qual, eu torço para que aconteça o mais rápido possível.
      Os criadores de Matrix acertaram em cheio ao criar uma série cheia de densidade em todos os seus personagens, sem deixar de ter ação, romance e vários micro-universos gravitando em torno dos 8 protagonistas, deixando até os coadjuvantes interessantes e cativantes.
       Vale a pena, se você não assistir, o problema é seu, você é quem está perdendo.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Para você estar passando adiante

Por Ricardo Freire

Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet. O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando. Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral. Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha nas pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo. Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim!, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. 2 Sinceramente: nossa paciência está estando a ponto de estar estourando. O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos. As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia. Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo. Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo. A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade linguística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?", ou "Quando que cê vai ta viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa". Deus! O que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações? A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma idéia" em outros menos votados. A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?