sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Não conseguia parar de pensar nela - Uma crônica de Kafka City

      Os afetos afetam.
      A frase acima, além de terrivelmente mal construída, era o primeiro verso do poema de Pedro. Sua alma estava envolta de uma aura de paixão e amor nunca antes experimentada.
      O caro leitor, que de trouxa nada tem, deve saber que nestes momentos o homem se torna ou um pária da sociedade, isolado em seu mundo particular de romantismo, tendo sua existência a gravitar em torno de sua amada ou apela para a total cafonice, onde nascem as canções de amor mais bregas e desesperadas, algumas piores que as sofrências musicais que tanto sucesso fazem nas rádios brasileiras.
      Pedro vivia a segunda hipótese, seu coração era de Ana, mas Ana era sem graça e nada parecia chamar atenção na pobre moça, mas nada disso atrapalhou nosso romeu, que de posse do pior poema romântico que alguém poderia compor foi a procura de Ana.
       Ela nunca havia dado nenhuma espécie de esperança ao pobre Pedro e nós seus amigos o alertamos para este detalhe, para que haja amor entre duas pessoas ambas devem consentir de alguma maneira, porém Pedro era obstinado, sua paixão de fato era fora do comum e nada o demoveu de seu intento.
       Movido por uma daquelas paixões de filme ruim americano (quer algo pior que comédia romântica?) vestiu um terno, pôs um cravo na lapela (nunca faça isso, é cafona), comprou um buquê de rosas vermelhas e, junto de um grupo de seresta bem ruim, iniciou uma serenata para sua amada. Começou com "Carinhoso" de Pixinguinha e foi passando pelo cancioneiro popular romântico brasileiro. O estranho é que Ana não abria sua janela, embora tenha acendido a luz de seu quarto e era possível ver a sombra de sua silhueta.
       Ciente de que a moça poderia estar tímida ou coisa que o valha, Pedro interrompeu os músicos que tocavam "Futuros Amantes" do Chico Buarque (ele interrompeu na pior hora, essa música é ótima), e começou a declamar seu poema.
        Ana abriu a janela enfim e ouviu verso por verso. Pedro declamava como um ator de tragédia grega, como um Hamlet que ignorava aquilo que havia de podre no reino da Dinamarca, como um personagem de filme argentino misturado com canastrões da pornochanchada e Ana apenas ouvia sem manifestar reação. Mais para o fim, Pedro estava perdendo a fé no verso e se ajoelhou oferecendo a Ana um buquê de rosas e a chamou para recebê-lo e juntamente com ele toda a profundidade de seu amor.
         Ela olhou para as flores, lindas flores e desceu. O coração de Pedro saltitava. "Deu certo", pensava o pobre werther.
          Ana abriu a porta e junto dela havia outra mulher, Sabrina era seu nome.
          Sabrina caminhou em direção de Pedro e deu-lhe um tapa daqueles que estalam até a décima quinta geração e disse a Pedro que não mexesse com sua namorada, tomou as rosas da mão de Pedro se ajoelhou diante de Ana e pediu sua mão em casamento. Ana prontamente aceitou, ambas se beijaram como se estivessem em uma cena de "Azul é a cor mais quente". Todos ficaram a admirar a situação e Pedro, bem, seus piores pesadelos se tornaram realidade, foi uma noite para se esquecer,
          Ele sumiu, largou emprego, vendeu tudo que tinha e foi embora sem se despedir, o que gerou efetiva e efusiva raiva dentre seus poucos e fiéis amigos.
          Um ano depois, Pedro vem à redação do jornal me procurando. Entra em minha modesta sala e, como quem está cheio de vergonha, me pede um favor:
           - Posso anunciar meu casamento no jornal?
           Olho para ele sem ressentimentos, mas nutrindo um salutar desdém e lhe dou a mais diplomática das respostas.
            - Claro, sem problemas. Voltou para cá?
            - Sim e volto casado.
            - Por que quer então anunciar um casamento já consumado?
            - Ana precisa ver que dei a volta por cima!
            Meu desdém por Pedro se potencializa, achei ridículo mas não levaria isto para o pessoal.
            - Qual é o nome da felizarda? - Pergunto com ar de ironia.
            - Arnaldo.
           Paro por um minuto e olho para Pedro sem entender.
            - Cara - começa Pedro a se explicar - No começo não entendi como Ana poderia me rejeitar, sou o homem ideal para qualquer mulher, então pensei que ela não me quis porque Sabrina tem algo que não posso dar.
           - Sim, Sabrina é mulher e ambas se amam, são lésbicas.
           - Não é isto, homossexualidade se aprende, então aprendi a gostar de homens, não conseguia parar de pensar nela.
           - Deixa eu ver se entendi - me ajeito na cadeira - Você está casado com um homem só porque uma mulher te rejeitou e você não quer admitir?
           - Você está sendo preconceituoso.
           Meu punho se fecha e olho nos olhos de Pedro com toda a intensidade de minha alma.
          - Cara, se você o amasse de fato te daria os parabéns, mas você está usando o cara como uma fuga, não posso concordar com isto. Você ama Arnaldo?
          - Não é da sua conta.
          Pedro se levanta e sai pisando duro, no dia seguinte escreve um manifesto e distribui pela cidade a história que sou homofóbico e que meu jornal o discriminou.
          De fato, gosto de publicar somente a verdade desta cidade. Nada de amores forjados sob a égide do ressentimento.
          Felicidades ao casal.

P.S. Fui processado. Irônico não?        

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