quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Frases de Nelson Rodrigues

Goste dele ou não Nelson Rodrigues, foi um dos maiores gênios de nossa dramaturgia, crônica jornalística e literatura.
Abaixo algumas frases de quem não sou digno de escrever sobre



O brasileiro é um feriado.

Os asmáticos não traem.

Mulher gosta é de apanhar, só as neuríoticas reclamam.

Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.

Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância

Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma

Só o inimigo não trai nunca.

Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.

Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.

O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca

Não admito censura nem de Jesus Cristo

Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral

Um Garrincha transcende todos os padrões de julgamento. Estou certo de que o próprio Juízo Final há de sentir-se incompetente para opinar sobre o nosso Mané.

A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível.

Toda coerência é, no mínimo, suspeita.

A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.

Toda a história humana ensina que só os profetas enxergam o óbvio.

Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.

A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas nossas relações com o passado ficam alteradas.

Não ama seu marido? Pois ame alguém, e já. Não perca tempo, minha senhora!

A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.

No passado, a notícia e o fato eram simultâneos. O atropelado acabava de estrebuchar na página do jornal.

Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.

Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.

Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris, nós seremos o pré-Brasil.

Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens: – não façam literatice. O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra.

Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: – a nossa.

Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.

Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista

Eu sou BBB-, Você é BBB-

Mais uma vez reproduzo aqui uma coluna de Diogo Mainard, que, antigamente era o colunista mais lido e polêmico do Brasil e hoje não escreve mais. Até onde eu sei!

Gilberto Freyre chegou perto. Bem mais perto do que Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda. Em todas as suas obras, eles se dedicaram a interpretar o Brasil. Mais do que isso: eles se empenharam em definir o Brasil. E fracassaram. Quem finalmente realizou o feito foi a Standard & Poor’s. Seus analistas acabam de definir o Brasil como BBB-. O país cabe inteirinho nessa nota. Pode jogar fora aquela sua cópia surrada de Casa-Grande & Senzala. O debate nacional está encerrado. O Brasil é BBB-. Eu sou BBB-. Você é BBB-. Um dia, com certa dose de sorte, poderemos nos tornar BBB+.
Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio. Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial. Depois de obter o reconhecimento internacional, o Brasil foi tomado por uma onda de euforia. O assunto contaminou todos os debates. Um professor de medicina da Universidade Federal da Bahia declarou que o batuque do Olodum é um exemplo de primarismo musical. O presidente do Olodum reagiu comparando-o a Adolf Hitler, e acrescentou que o grupo, como o Brasil, tem sua “qualidade reconhecida internacionalmente”. Isso significa que, numa hipotética Standard & Poor’s da música, o primarismo do Olodum estaria na categoria BBB-.
Se o risco de tomar um calote por aqui diminuiu, o risco de tomar um tiro na testa continuou igual. No mesmo dia em que os jornais comemoravam o BBB-, conferido pela Standard & Poor’s, O Globo publicou uma reportagem sobre os 18.000 cadáveres recolhidos todos os anos das ruas do estado do Rio de Janeiro. Em média, cada cadáver demora sete horas para ser recolhido pelo Corpo de Bombeiros. Esse também é um bom critério para classificar os países: o grau de naturalidade com que se relatam os horrores cotidianos. Em 23 de abril, O Globo deu a seguinte notícia, escondida numa página interna, num bloco de 7 por 7 centímetros:
“Parte do corpo de uma mulher foi queimada ontem em plena Avenida Brasil, na altura de Guadalupe. Segundo testemunhas, homens trouxeram o corpo da Favela da Eternit. A mulher teve cabeça, braços e pernas arrancados. O tronco, então, foi colocado dentro de pneus para que os bandidos ateassem fogo”.
Depois disso, nada mais. A mulher esquartejada e incinerada sumiu do noticiário. Ninguém se espantou com sua morte. Ninguém tentou interpretá-la. Pode jogar fora seu Gilberto Freyre. Pode desmembrá-lo, colocá-lo dentro de pneus e atear-lhe fogo. O Brasil é ainda mais rudimentar do que ele supunha. Nosso primarismo é ainda mais bestificante. Aqui só resta um Olodum mental, um dum-dum-dum mental.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Famigerado

Texto extraído do livro "Primeiras Estórias" de Guimarães Rosa, Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 13, cuja compra recomendamos.

Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:

"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:

— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."

Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:

— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:

— Famigerado?

— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.

— Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...

— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"

— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

— Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:

— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...

— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

Chega de Drummond

Texto de Diogo Mainard, publicado pela VEJA 13 de novembro de 2002. Não reflete exatamente como penso, mas mostra um pouco da pieguice da intelectualidade brasileira.

"João Cabral me alivia da pieguice
de Drummond, de seu sentimentalismo
ginasiano, de seu lirismo kitsch. Mas não
há o que fazer contra sua prosa. Ali ele
aparece em toda a sua constrangedora
banalidade, com aquelas historinhas jecas"


Drummond, Drummond, Drummond. Para onde quer que se olhe, Drummond e mais Drummond. Em Copacabana, celebraram seu centenário com uma estátua. Em Piracicaba, roubaram uma sua caricatura. Em Itabira, sua cidade natal, crianças foram obrigadas a declamar seus versos para os turistas. Pelé gravou um CD com suas poesias. Luiz Felipe Scolari citou-o em suas memórias. Uma moeda foi cunhada com sua efígie. Ele inspirou espetáculos de dança e foi mencionado em receitas de tutu à mineira. Até Lula apareceu com seus livros debaixo do braço. Com ar doutoral, disse que ajudavam a prepará-lo "espiritualmente" para a Presidência.

Foi tanto Drummond que acabei enjoando dele. Basta ouvir seu nome que começo a tremer e a suar frio. O antídoto mais eficaz contra essa ressaca de Drummond é uma dose maciça de João Cabral de Melo Neto. Leio-o todos os dias. Alivia-me da pieguice de Drummond, de seu sentimentalismo ginasiano, de seu lirismo kitsch: "Amor é estado de graça", "Amor foge a dicionários", "Amor é primo da morte". Quer mais? "O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar", "Quem tem amor tem coragem", "O amor bate na aorta". Ainda mais? "Amar é o sumo da vida", "Amar se aprende amando", "Vamos conjugar o verbo sempreamar".

Se João Cabral de Melo Neto atenua os efeitos nocivos da poesia de Drummond, não há o que fazer contra sua prosa. Ali ele aparece em toda a sua constrangedora banalidade, com aquelas historinhas jecas sobre o Dia das Mães, sobre o Dia dos Namorados ou sobre os velhos bares no interior de Minas Gerais. Numa crônica de Natal, ele sonha com o dia em que o "mundo será governado exclusivamente por crianças". Numa crônica em homenagem a Chico Buarque, escrita em 1966, ele proclama que nunca foi da Arena ou do MDB, mas "desse partido congregacional que encontra na banda o remédio". Quando convinha ser de esquerda, porque todos os poetas o eram, Drummond fazia poesia de esquerda. Quando o clima piorou, e os esquerdistas começaram a ser perseguidos pela ditadura, ele achou melhor pular fora, escrevendo sobre minúsculos acontecimentos do dia-a-dia. Aquilo que foi pomposamente apelidado de metafísica do cotidiano. Ou seja: nem Arena, nem MDB.

Nos manuais de literatura, Drummond é louvado por sua ironia. É uma ironia amável, benévola, cúmplice, que se esforça para confortar e apaziguar, sem jamais correr o risco de ferir o leitor. De fato, ele é prevalentemente auto-irônico. Ironizando a si mesmo, Drummond evita atacar o próximo. A auto-ironia, porém, é sempre um exercício de falsa ironia. Em 1930, quando se define um "gauche", ele demonstra ser tudo menos um "gauche", usando muita astúcia e habilidade para conquistar seu espaço no ambiente literário nacional. Mais tarde, quando julga "insignificante" seu poema mais famoso, "No meio do caminho", ele tem a certeza de que ninguém irá concordar. A seguir, quando ironiza sua frivolidade, seu provincianismo, sua teimosia em tratar de assuntos menores, ele sabe que está num terreno seguro, tendo sido aclamado por causa disso pelos maiores críticos do país.

Chega de Drummond. Pelos próximos dez ou quinze anos, é melhor ficar longe dele.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Dia de fúria reprimido

Raul acordou puto da vida, não sabia o porquê, mas seu dia começou mal assim que saiu da cama.
Ele tinha um emprego de merda, não cito nessa crônica para não ser processado pela categoria. Só sei que se tivesse esse emprego também acordaria nervoso só de saber que tenho de trabalhar.
Quando pôs os pés em seu trabalho sentiu um mal pressentimento.
Foi demitido!
Motivo?
Corte de gastos
Raul voltou mais puto ainda para casa.
Entrou em um fast food e pediu o maior sanduíche do cardápio. Quando chegou o sanduíche, ele abriu a caixinha e foi aquela surpresa. Raul se lembrou do filme Um dia de fúria com Michael Douglas e sentiu vontade de imitá-lo, mas Raul era covarde demais para levantar a voz a uma garçonete e reclamar com o gerente a sua insatisfação.
Comeu, pagou e saiu.
Foi andando para casa e de repente começa a chover. Raul estava sem guarda chuvas. Um carro passou por ele e lhe jogou uma enorme poça d´água, deixando Raul em uma situação constrangedora e ficou mais puto da vida ainda.
Enquanto gritava impropérios para o motorista que lhe molhou, veio um trombadinha e roubou-lhe a carteira.
Pronto, fudeu!
Raul estava molhado, sem grana, sem documentos e desempregado.
O telefone de Raul toca. Sua ex-mulher lhe cobrando a pensão.
O dia de Raul realmente estava uma merda!
Pra terminar este texto fudido e esta história sem graça, Raul atravessa a rua sem olhar e um ônibus lhe acerta em cheio.
Raul fica estatelado, destruído e completamente desfigurado. Mas Raul era tão patético que nem morrer ele sabia. Trinta minutos depois Raul estava lúcido e morrendo de dor, sentindo-se um merda em um hospital do SUS e esperando a enfermeira lhe dar mais um sedativo.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Poema do desespero

sinto-me invadido por insetos
sinto-me tomado por eles
sinto-me estuprado por eles
sinto-me tomado por eles.

quem são eles?
de onde vieram?
por que me escolheram?
quero sumir

para onde fugir
o mundo está infestado deles
infestado daquilo que me faz querer sumir

infestação a qual eu não posso controlar
não posso me esconder
não posso sumir
não posso querer
nem me resta morrer!

Como olhar para o céu de um deus morto?
como olhar para terra de um homem morto?
como ser tentado por um diabo que já não existe mais

Não sou um homem
sou uma bomba relógio