quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Presente de Hermingway - Parte II

    Ontem, depois de publicar uma rápida crônica sobre minhas impressões acerca da obra "O velho e O mar", resolvi me entregar a um de meus vícios. Ao contrário do mestre da literatura supra citado, não bebo álcool, sou viciado em chá inglês, uma espécie de raio de sofisticação para o meu grosseiro paladar.
      Degustava meu chá na solidão do meu quarto ouvindo músicas tristes, porém belas (estas são as melhores), quando ouço alguém bater-me a porta. Para meu espanto era Tio Nelson, o maior de todos os mestres da crônica. Estou certo que muitos discordam de minha opinião, mas Nelson Rodrigues é, ao lado de Machado de Assis, o maior escritor nascido dentre nós.
       Tio Nelson é para mim um inspiração atroz! Sua metafísica e seu realismo cru me fazem, todos os dias, um "ex-covarde". Chamo de tio, porque tenho por sua figura um amor parental, quase rodriguiano, se é que você me entende.
       - Trouxe-lhe uma surpresa meu caro! - Diz Tio Nelson com seu estilo peculiar, carregado de um formalismo quase britânico. - Aqui está o tal Hermingway!
       Para meu espanto, havia um sujeito bêbado, desses bem bêbados mesmo, encostado num poste da minha rua e era o distinto autor. Fui correndo ao seu encontro e lhe disse:
        - Mestre!
        - Não sou mestre de ninguém - Responde asperamente.
        - Ora Ernesto - Disse Nelson com ar de chanchada - O rapaz está estupefato por te ver, você precisava ver como ele ficou quando me viu...
        - Não me interessa - Deu mais uma golada em uma garrafa de whisky que é servida apenas no céu dos escritores. Conheço a marca, é bem forte.
        - De toda forma, foi muito importante para mim, ler sua obra! - tentei retomar a conversa.
        Hermingway me olhou e me desafiou para uma luta.
       Aceitei de pronto, apesar de não ser uma habilidade da qual possua em abundância.
       Mal tirei meu paletó recebi um direto no queixo e vou ao chão.
        Nelson, desce e me olha de forma irônica, como alguém que está próximo de uma pródiga gargalhada.
         - Levanta meu querido! Sua valentia foi admirável! Você tem o élan que eu imaginava, será o meu personagem da semana. , Diz Nelson, sendo mais amigo que o comum.
         - Mas tomei uma surra e nem consegui reagir...
         - Meu caro, você não entendeu que é isto que a literatura de nosso amigo Ernesto faz com as pessoas? - Nelson parou por um instante, parecia que ia declamar Shakespeare - Meu caro, envelheça, com toda urgência, envelheça! - Diz Nelson balançando os braços como se a rua de minha casa fosse um palco para o teatro.
          Hermingway não disse mais nada e Nelson se foi junto com ele. Mais um encontro desses e vou precisar de reconstrução facial.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Presente de Hermingway

    Existem idades ingratas quando a vida não se apresenta da maneira sonhada, pensada e idealizada. Existem momentos que o peso da existência, o mal estar no mundo e do mundo, a incompletude diante da ignorância cada vez mais flagrante e a reflexão sobre aquilo que foi feito no passado sobem à cabeça e deprimem, tornando uma data que poderia ser alegre em motivo de tristeza.
    Mas o mestre de Gabriel Garcia Marques, o maior escritor da língua inglesa do século passado e um dos maiores contemporâneos veio com sua narrativa cortante presentear este pobre escriba, que ainda não abraçou a escrita como profissão e modo de vida, mas como paixão e sonho.
     Em minhas mãos caíram o clássico " O velho e O mar", sem dúvida, um livro urgente, um livro necessário, um livro eterno, um clássico na melhor acepção de Ítalo Calvino, uma obra atemporal.
     Nele, Ernest Hermingway trabalha uma narrativa limpa, com poucos adjetivos e com um ritmo admiravelmente encantador, contando a história de um homem que nada de relevante consegue em seu ofício por 84 dias e no, octagésimo quinto, inicia uma batalha sem par com um peixe incrível, sonho de qualquer pescador, realização de uma vida.
      Não contarei a história, apenas direi que me senti como o velho, navegando em um mar incerto que é a vida, que ainda está longe de alcançar o pretendia e o que esperava, mas, que não desistiu ainda de encontrar a pesca perfeita, que está disposto a ir bastante longe para tentar e lutar. Hermingway, nos ensina que a vida não vale a pena para os covardes e que até os fracos, sendo corajosos, serão capazes de feitos enormes.
      O presente de Hermingway é ganhar um lenitivo para os males da minha alma, ninguém saberia me mostrar de forma mais clara e inequívoca quais caminhos deverei trilhar. Depois da leitura de hoje, abraço este escritor da vanguarda literária americana e engrosso o coro, ao lado de Gabo, grito Mestre! E encerro qualquer coisa que teria de dizer sobre "O velho e o mar", um livro eterno.

sábado, 12 de setembro de 2015

Novas obras conduzem população a andar em círculos

     As novas ações da prefeitura de Kafka City tem sido altamente perturbadoras. O Programa Metamorfose, que tem por razão existencial a revitalização da cidade está trazendo maiores transtornos do que o esperado. Exemplo disto, é a via de acesso construída para melhorar o tráfego próximo à Praça Gregor Samsa.
     Neste, que segundo urbanistas entrevistados (que não quiseram se identificar com medo de represálias), o usuário praticamente entra em um espiral de ruas e avenidas, que somente os grandes gênios da humanidade são capazes de guiar de forma racional,
     Ao que parece, estas obras foram, propositalmente construídas para serem o maior erro da história da engenharia de tráfego de todos os tempos.
     A prefeitura não quis se pronunciar, mas continuaremos a narrar as crônicas de nossa absurda cidade.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Crime choca KafkaCity

     Nesta sexta-feira, 11/09/2015, KafkaCity se assombrou com o crime cometido nos arredores da Rua do Processo, lá uma mulher mata outra à base de colheradas, pasme caro leitor, colheres de diversos tamanhos foram usadas como armas de tão atroz assassinato.
      A senhora Júlia Andrade Freitas Albuquerque de Santos Costa e Silva protagonizou tal desastre em desventura da senhorita Adriana Magalhães Brito Joaquina Borges de Santana. Ambas discutiam de forma calorosa acerta da melhor maneira de se pronunciar o nome de um dos mais tradicionais tubérculos da cozinha brasileira, a famosa mandioca ou como preferem outros aipim ou ainda macaxeira, não importando a forma que, a qual, o caro leitor tratará referido alimento, ressaltando que foi este o móvel de tamanha desgraça.
       Tudo começou na feira do corvo, onde as distintas damas se viram pela primeira vez, sendo a senhorita Adriana uma distinta feirante, fazia seu trabalho com o esmero costumeiro, enquanto isto, a senhora Júlia fazia suas compras para a casa, tal qual estava habituada. Neste ínterim, Júlia pergunta o preço do aipim, posto que o mesmo não estava identificado de forma devida. Adriana responde que não vende o referido item e que procurasse em outra banca, pois nunca ouvira falar de tal expressão.
        No mesmo instante, Júlia aponta para o aipim identificando-o. Adriana, diz então que a mandioca custa R$ 2,50 o quilo. Júlia não se conforma com a frase proferida por Adriana. Segundo testemunhas a discussão se iniciou neste momento com os dizeres abaixo:
        - Como assim mandioca?
        - Ora pipocas! É o nome do produto!
        - Então agora deram para inventar nomes para as coisas, Deus deu essa tarefa para Adão e não para você sua feirante de quinta.
          - Pois vá a senhora lavar um bom tanque.
          Finda a discussão os presentes viram a superioridade retórica da senhorita Adriana, fazendo troça da senhora Júlia.
          Terminado o dia, Adriana repousava em casa quando é convidada para um encontro de boêmios amigos na Rua do Processo, esquina com a Praça Gregor Samsa.
          Pois veja o leitor, que a morte é uma perseguidora implacável e digo mais obsessiva.
          A senhora Júlia que, quase nunca sai, senão para deveres relacionados a sua atividade de ativa dona de casa, excetuando-se os deveres religiosos, resolve ir a uma festividade que ocorria na Praça Gregor Samsa, onde eram servidos toda a sorte de caldos de legumes para a alegria dos que aproveitam os tempos frios para consumo destas distintas iguarias.
          Após negar-se a comer o mais popular dos caldos da festa, o famoso caldo de mandioca, dado que mesmo lhe trazia lembranças lúgubres de uma manhã altamente mal sucedida e se decepcionar tenazmente com todas as outras opções presentes na festa, resolve então voltar para sua casa, na altura 35 da Rua do Processo.
           Foi neste momento que o destino fez mais uma das suas, fazendo-as se cruzar naquele momento.
           E não tenha dúvida o caro leitor que o mal pode se manifestar em qualquer um, em qualquer instante, pois a vida é absurda. Em um rápida troca de olhares, Júlia vê Adriana e corre para dentro de casa em busca de algo que somente o diabo poderia lhe dar, as armas do crime.
           Diante de si, havia uma série de colheres grandes e pesadas, usadas para cozinhar em panelas bem grandes, duas de madeira, duas de metal. Júlia sem titubear corre na direção de Adriana, que sem acreditar na forma ridícula que estava sendo atacada, põe-se a rir.
          Enquanto ria recebeu dois golpes fortes diretos na face. Até agora os legistas estão tentando entender a mecânica dos golpes e como alguém morre de forma tão ridícula assim apenas por sua retórica superior e uma pequena divergência vernacular.
         A senhora Júlia será julgada e absolvida pois não há justiça em KafkaCity, há apenas o senso de se viver no absurdo.

Não conseguia parar de pensar nela - Uma crônica de Kafka City

      Os afetos afetam.
      A frase acima, além de terrivelmente mal construída, era o primeiro verso do poema de Pedro. Sua alma estava envolta de uma aura de paixão e amor nunca antes experimentada.
      O caro leitor, que de trouxa nada tem, deve saber que nestes momentos o homem se torna ou um pária da sociedade, isolado em seu mundo particular de romantismo, tendo sua existência a gravitar em torno de sua amada ou apela para a total cafonice, onde nascem as canções de amor mais bregas e desesperadas, algumas piores que as sofrências musicais que tanto sucesso fazem nas rádios brasileiras.
      Pedro vivia a segunda hipótese, seu coração era de Ana, mas Ana era sem graça e nada parecia chamar atenção na pobre moça, mas nada disso atrapalhou nosso romeu, que de posse do pior poema romântico que alguém poderia compor foi a procura de Ana.
       Ela nunca havia dado nenhuma espécie de esperança ao pobre Pedro e nós seus amigos o alertamos para este detalhe, para que haja amor entre duas pessoas ambas devem consentir de alguma maneira, porém Pedro era obstinado, sua paixão de fato era fora do comum e nada o demoveu de seu intento.
       Movido por uma daquelas paixões de filme ruim americano (quer algo pior que comédia romântica?) vestiu um terno, pôs um cravo na lapela (nunca faça isso, é cafona), comprou um buquê de rosas vermelhas e, junto de um grupo de seresta bem ruim, iniciou uma serenata para sua amada. Começou com "Carinhoso" de Pixinguinha e foi passando pelo cancioneiro popular romântico brasileiro. O estranho é que Ana não abria sua janela, embora tenha acendido a luz de seu quarto e era possível ver a sombra de sua silhueta.
       Ciente de que a moça poderia estar tímida ou coisa que o valha, Pedro interrompeu os músicos que tocavam "Futuros Amantes" do Chico Buarque (ele interrompeu na pior hora, essa música é ótima), e começou a declamar seu poema.
        Ana abriu a janela enfim e ouviu verso por verso. Pedro declamava como um ator de tragédia grega, como um Hamlet que ignorava aquilo que havia de podre no reino da Dinamarca, como um personagem de filme argentino misturado com canastrões da pornochanchada e Ana apenas ouvia sem manifestar reação. Mais para o fim, Pedro estava perdendo a fé no verso e se ajoelhou oferecendo a Ana um buquê de rosas e a chamou para recebê-lo e juntamente com ele toda a profundidade de seu amor.
         Ela olhou para as flores, lindas flores e desceu. O coração de Pedro saltitava. "Deu certo", pensava o pobre werther.
          Ana abriu a porta e junto dela havia outra mulher, Sabrina era seu nome.
          Sabrina caminhou em direção de Pedro e deu-lhe um tapa daqueles que estalam até a décima quinta geração e disse a Pedro que não mexesse com sua namorada, tomou as rosas da mão de Pedro se ajoelhou diante de Ana e pediu sua mão em casamento. Ana prontamente aceitou, ambas se beijaram como se estivessem em uma cena de "Azul é a cor mais quente". Todos ficaram a admirar a situação e Pedro, bem, seus piores pesadelos se tornaram realidade, foi uma noite para se esquecer,
          Ele sumiu, largou emprego, vendeu tudo que tinha e foi embora sem se despedir, o que gerou efetiva e efusiva raiva dentre seus poucos e fiéis amigos.
          Um ano depois, Pedro vem à redação do jornal me procurando. Entra em minha modesta sala e, como quem está cheio de vergonha, me pede um favor:
           - Posso anunciar meu casamento no jornal?
           Olho para ele sem ressentimentos, mas nutrindo um salutar desdém e lhe dou a mais diplomática das respostas.
            - Claro, sem problemas. Voltou para cá?
            - Sim e volto casado.
            - Por que quer então anunciar um casamento já consumado?
            - Ana precisa ver que dei a volta por cima!
            Meu desdém por Pedro se potencializa, achei ridículo mas não levaria isto para o pessoal.
            - Qual é o nome da felizarda? - Pergunto com ar de ironia.
            - Arnaldo.
           Paro por um minuto e olho para Pedro sem entender.
            - Cara - começa Pedro a se explicar - No começo não entendi como Ana poderia me rejeitar, sou o homem ideal para qualquer mulher, então pensei que ela não me quis porque Sabrina tem algo que não posso dar.
           - Sim, Sabrina é mulher e ambas se amam, são lésbicas.
           - Não é isto, homossexualidade se aprende, então aprendi a gostar de homens, não conseguia parar de pensar nela.
           - Deixa eu ver se entendi - me ajeito na cadeira - Você está casado com um homem só porque uma mulher te rejeitou e você não quer admitir?
           - Você está sendo preconceituoso.
           Meu punho se fecha e olho nos olhos de Pedro com toda a intensidade de minha alma.
          - Cara, se você o amasse de fato te daria os parabéns, mas você está usando o cara como uma fuga, não posso concordar com isto. Você ama Arnaldo?
          - Não é da sua conta.
          Pedro se levanta e sai pisando duro, no dia seguinte escreve um manifesto e distribui pela cidade a história que sou homofóbico e que meu jornal o discriminou.
          De fato, gosto de publicar somente a verdade desta cidade. Nada de amores forjados sob a égide do ressentimento.
          Felicidades ao casal.

P.S. Fui processado. Irônico não?