quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Primeira semana sem ela

      Foi bom enquanto durou, foi eterno, porém acabou!
      Acabou? Não sei ainda o que o amanha guarda, o futuro acaba por ser de uma infrutífera tentativa de previsão que acaba por fazer da mesma algo inútil, como um belo quadro aos olhos de um cego. O futuro carrega um monte de incertezas tão grandes e uma insegurança tão enorme que o primeiro impulso é voltar.
       Voltar pode ser um sinal de fraqueza ou um sinal de força, depende do masoquismo do casal.
       Pensei que o primeiro dia sem ela fosse cinza. Para alguém que trabalha em Ouro Preto, o tempo acinzentado é um fenômeno quase metafísico. Porém não foi. O sol brilhou forte, o dia foi lindo, nada bom para curar a minha melancolia.
        O segundo dia seguiu a mesma lógica. Os demais foram tão corridos que não tive tempo de ver a suas cores. Pensei então estar curado, tal como um alguém que se cura de uma aguda paixonite desimbestada. Foram dias de paz.
         Passada a semana, fito novamente o seu olhar. Seu sorriso era encantador e apaixonante, o abraço acolhedor, ela estava incólume na minha frente, parecia saber que eu ainda a amo. Seu olhar foi fatal e ela não se negou a mim.
         Seu beijo era como o beijo de apaixonada, seu abraço prendia meu corpo ao dela de tal forma que parecíamos um novamente. Nos beijamos e nos acariciamos intensamente até o último instante possível. Era o céu na terra, era como sempre havia sido.
          O dia não ficou cinza quando nos despedimos, ela com um sorriso e eu com a sensação de ser um fraco, mas haveria eu de vê-la novamente e, para piorar, no dia seguinte.
          Um  fato curioso sobre nós é que sempre chove quando nos amamos intensamente, parecia que Deus enviava uma sinfonia para reger nosso amor, enquanto estávamos juntos em nosso reencontro a chuva danou-se a molhar a terra e a não me abalar ainda mais as convicções.
          Chega o dia seguinte, tenho de ir à sua casa e pegar roupas e outras coisas que lá havia deixado. O dia estava cinza, o céu estava nublado e até o mais incrédulo acreditaria na chuva como algo inevitável. Fui pronto para ser lavado pelas águas de São Pedro.
          Ao vê-la sinto um tremor em cada parte de meu corpo, minhas têmporas acabariam por me denunciar, desisto de resistir, beijo-lhe novamente, aperto-lhe como se minha vida dependesse daquele instante, me entrego por completo, desisto das resistências, deixo de lado as convicções que me fizeram dar um fim em minha especial felicidade.
         Amamo-nos como sempre. De forma intensa, sincera, recíproca e damos toda a nossa força. Enquanto isto, ouço trovões.
          Minha cabeça trovoa junto, espero a chuva para que ela nos inspire a continuar. Terminamos, a chuva  não veio. Pego minhas coisas e, enquanto ela prepara um café (dote ao qual aprecio), me visto, não espero pelo café. Olho para ela e não há necessidade de palavras, os olhares trocados na despedida são um sinal de que, de fato, era o fim.
          O dia ficou mais cinza que antes, parece noite de tão escuro. A chuva se recusa a cair do céu.
          Talvez Deus esteja me dizendo que tudo, por mais belo, por mais sublime, por mais perfeito, por mais   próximo que nos leve à perfeição, um dia acaba, com chuva ou sem chuva.
          Assim como esta crônica, que termino sem ter visto uma gota sequer caindo do céu.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

“CRÔNICA DA MORTE DE MINEIRINHO”, EM 1962, DE CLARICE LISPECTOR


É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por
que esta doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os
treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira
o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o
mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por
não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a
violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não
poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o
queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que
se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu
fria: 'O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era
criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no Céu.' Respondi-lhe
que 'mais do que muita gente que não matou'.

Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de
que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não
quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para
mim.

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de
segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me
cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no
nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o
nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me
assassina - porquê eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto
isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa
funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a
minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu
devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia
ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos
acordem, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho
nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu
erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei
que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for preciso. Meu erro é o meu
espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi
a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a
lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele
viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência
inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai
não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do
outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A
violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança,pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus
olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um
homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de
lhe ter dito: também eu.

Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e
cheia de desamparo e Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o
faz gostar 'feito doido' de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão
estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma
grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma
em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal,
é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha
água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, não me perdi,
experimentei a perdição. A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de,
com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus
é porquê adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um
doente do crime . Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um
homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa,
cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que
fará voar pelos ares uma porta trancada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por
mim a raiva, enquanto eu tive calma. Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto
um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e
a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de
que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que
são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que
sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila, e que os
outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. Tudo isso,
sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar
não entender.

Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo -
uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem
os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do S. Jorge de ouro e
diamantes. Essa alguma coisa muita séria em mim fica ainda mais séria diante do
homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é o desespero em
nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se
incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que
entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é
perigoso compreender, e como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se
confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela
confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de
destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas
metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.

Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos
temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou,
ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça
prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que
mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si
própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo amaldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não
possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento. Uma justiça que não se
esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele
não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo
o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso -
nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem
as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de
perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.

O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

Perdoando Deus - Clarice Lispector


Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais.
Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.
... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
LISPECTOR, Clarice. Perdoando Deus. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Passos no corredor

Esperá-la ...
É terrível esperá-la!
Os minutos passam rápido demais 
outras vezes lentos demais,
eles nunca acertam o fluxo certo.

Mas, isto não é o pior...
o pior é esperá-la ouvindo os passos ao corredor.
Já tentei, mas ainda não consegui distinguir os passos dela dos demais.

Passos apressados,
lentos,
fortes,
suaves,
Todos me surpreendem e nenhum se distingue.

De repente os passos cessam...
tudo se perde em lapso de instante.

Ela chega
e não ouvi seus passos.
Sua chegada trás paz, mas ainda sou surdo para seus passos.
Talvez ela não toque no chão,
talvez ela voe,
talvez minha audição ainda seja surda!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Uma DR

     - Seu surto tolodoante!
     - Sua nectarista frustrada!
     - Seu rapsodiário incompetente!
     - Sua pé-de-serra mal formada!
     - Seu olho ressaquento remelado!
     - Sua despudorante ineficaz!
     - Seu imprudentemente tolo!
     - Sua residente de rimas tortas!
     - Seu criador de concretismos frouxos!
     - Sua pescadora de vozes venais!
     - Seu indivíduo insuficientemente sufular!
     - Agora você me ofendeu!
     - DANE-SE!
     - Se há algo ao qual me orgulho é o meu sufular!
     - DANE-SE!

      Juro, eu ouvi esta discussão de relacionamento. O que me deixou mais angustiado não foi a discussão em si e nem suas razões, mas as palavras usadas.
      Alguém sabe o que é sufular? Tolodoante? Ressaquento?
     Será que em uma DR as pessoas aprendem a inventar palavras?
     Preciso parar de beber...