quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ateísmo de boutique

    Ser ateu é muito cafona! É a conclusão filosófica mais simples de todas e a maioria dos ateus que conheço não vão além desta obviedade ululante. Sim, é extremamente fácil concluir a não existência de Deus, mas por que julgo que argumento da fé é tão importante?
     A ideia de Deus é um dos, senão o maior, dos conceitos filosóficos conhecidos pela humanidade, independente das forças ritualísticas e manifestações religiosas criadas para ligar o humano ao Sagrado, pensar em uma, ou várias entidades, capazes de criar miticamente a vida, conhecer a profundidade de suas minucias e possuir uma perspectiva atemporal da realidade é algo profundo, complexo e pedagógico, desde que, o pensador em questão esteja fazendo isto com seriedade.
     O ateísmo enquanto ideia retira da pessoa a possibilidade de entender esta dimensão sagrada da vida, pois, independente se Deus existe ou não, a vivência na fé traz uma resignificação do tempo existencial, a vida por si só é destituída de sentido prático, viver sem fé é um ato de coragem, mas de uma coragem suicida.
      Nossa existência é pautada por parâmetros e códigos éticos e a maioria de nós precisa de uma espécie de "stress moral" para dar significado a seus atos, quem pensa diferente se insere ou em um universo de "sacro-alienação" ou em um niilismo que pode levar aos mais fortes homens e mulheres a um vazio tão grande que pode gerar o Albert Camus chama de pensamento do absurdo.
      Mas o ateu "estilo Nietzsche" é respeitável, assim como aquele libertário que resolve viver sem regramentos morais e se torna senhor de seu tempo e espaço, também gosto daqueles que simplesmente acham pensar nisso uma grande bobagem, que nunca se deram conta que vivemos a carregar nossos cadáveres e cultivam uma relação dúbia com Deus e a religiosidade.
       O insuportável é o ateu estilo Dawkins. O referido autor do sucesso "Deus, um delírio" pensa que a teoria darwinista invalida a ideia da existência de Deus, como se todas as questões que retroalimentam este debate tão amplo e complexo se resumissem em pensar na gênese humana.
        É tudo muito mais profundo que isto! Repito é muito mais profundo que isto!
        Se Nelson em sua lápide queria escrito " Que besta graduada esse tal de Karl Marx", na minha quero escrito "Que besta graduada esse tal de Richard Dawkins", parafraseio o mestre Nelson Rodrigues, pois o mesmo compreendeu a seu tempo a profundida kafkana do desespero humano, o quão cheia de tragédias pode ser uma existência e o quanto carecemos da dimensão sagrada da vida, nem que em um sentido dostoiesvsqiano ou  como a divindade na ideia de Spinoza.
        O ridículo do ateísmo de boutique está em cometer o erro que Chesterton falava no início do século, "deixar de crer em Deus e começar a crer em qualquer coisa", acrescento, em levar as carência humanas de transcendência para onde é impossível ser imortal e tentar impor esta visão de mundo àqueles que querem apenas rezar um pouco ao fim de um dia extenuante ou um pouco de conforto ouvindo uma canção que fale do amor do seu deus por ele.

 

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Os perigos de uma História única

"Quem controla o passado, controla o futuro", ao pensar sobre o que pensamos sobre diversos povos, estados, países e culturas, entendemos o quanto Orwell tinha razão ao escrever isto na sua genial obra 1984.
A História é a explicação do passado, um passado inexistente, mas com um discurso com o intuito ideológico de aproximação da verdade fática. Nunca há apenas uma maneira de se contar uma história e sempre há uma miríade de explicações dantes ignoradas para um fato desconhecido.
A grande verdade é que a maioria de nós pensa na África como um se fosse um país monocultural que é pobre e vive em guerra, nos países muçulmanos como opressores dos direitos humanos, nos povos indígenas como simplesmente tribais e que todos os países do extremo oriente possuem as mesmas características e unimos tudo isto a um discurso de que existe uma superioridade cultural perante a essas culturas e que, graças ao bom branco, capitalista e ocidental, esses povos e culturas tão ricos e soberanos, terão uma chance de tornarem países desenvolvidos.
O fato é que pouco sabemos sobre o que estes povos tem a nos dizer, não enxergamos a alteridade como um valor, mas como uma caridade que nós ocidentalizados oferecemos de bom grado a essas nações tribais.
O grande fato é que para se destruir uma nação e uma cultura o primeiro passo é destruir a sua História, sua identidade e suas raízes, pasteurizar seus modos e não compreender suas razões antropológico existenciais.
Quem ganha como o monopólio da cultura é quem deseja o monopólio do poder, mate uma cultura e matarás uma nação.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Sequestro e resgate de si

    O livro "Quem me roubou de mim" do Padre Fábio de Mello é um daqueles livros onde não se sai sem refletir muito, não há como fazer uma leitura honesta deste livro e terminá-lo da mesma maneira que começou. Explico-me melhor, a referida obra trata de um dos maiores problemas de nosso tempo, o sequestro de nossa subjetividade, sequestro este, que podem se dar em todos os âmbitos e por todos os motivos possíveis e imagináveis. A experiência religiosa verdadeira torna o indivíduo mais humano e menos massificado e dependente de terceiros.
     O ato de ter a subjetividade perdida se assemelha com o sequestro do corpo, onde apenas o sequestrador tem poder sobre sua vítima e, apenas através do devido resgate é libertado e pode viver novamente a plenitude de sua vida social e corpórea.
     Porém o sequestro sempre deixa sequelas, pois a solidão do cativeiro pode fazer o sequestrado esquecer o que é e de onde veio, pode fazer esquecer seu meio social atribuidor de sentido e enfim transforma-lo em um dependente daquela doentia relação criada entre sequestrador e sequestrado.
      Metaforicamente falando, muitas vezes nos vemos presos a relações e a universos de sentido que roubam nossa vontade de ser quem somos, objetificando nossas relações e fazendo de nós objetos do prazer alheio e não do desejo de ser feliz. A simbiose dentre sequestrador e sequestrado pode acontecer em qualquer momento e em qualquer esfera de relacionamento. Perdemos nosso rosto e passamos então a fazer parte de uma massa amorfa e sem face.
       Com uma fluida escrita e uma poética maneira de ver a vida o Padre Fábio nos faz ver o tamanho da importância do encontro consigo, pois o Reino dos Céus habita em nós. A verdadeira experiência religiosa nasce da reconstrução de nosso universo de sentido e dando a nós uma nova perspectiva temporal, trazendo o Sagrado para mais perto de nós.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

A cama na varanda pode ser um problema

      Ao terminar o excelente livro "A cama na varanda" da psicóloga Regina Navarro Lins, entrei em um profundo exercício de entender vários pontos postos pela autora.
     No livro há uma narrativa sobre a origem da família nuclear e do amor enquanto elemento cultural desenvolvido, onde a fidelidade conjugal seria uma espécie de prisão criada por uma sociedade opressora e patriarcal e que esta estrutura é a grande culpada no que diz respeito à infelicidade conjugal tanto de homens, quanto de mulheres. Pensando neste viés a autora enxerga que a estrutura patriarcal está em ruínas e que novas formas de viver os relacionamentos estão surgindo com força tal que a família nuclear está a ponto de ir a pique, que a monogamia é uma prisão e o amor romântico não passa de um conceito.
     Gostei do livro, a reflexão é honesta e a argumentação coerente, além de trazer consigo uma série de informações atinentes à uma vida sexual satisfatória, aliás a autora, enfatiza muito a honestidade das pessoas em um relacionamento, logo a infidelidade conjugal é algo abominável, pois engana ao seu parceiro e o coloca em situação de uma falsa ilusão de estabilidade. A autora coloca exemplos de sua vida enquanto terapeuta, o que enriquece e torna fluida toda a narrativa.
      Mas nem tudo na vida é perfeito e nem toda ideia deve ser levada à última instância. Digo isto por ver que nem todos estamos prontos para uma concepção de família diferente da já existente, não falo por puritanismo e nem por motivos reacionários, falo por uma observação fundada em um pequeno pensador, ainda irrelevante é verdade, que vive no interior mineiro e vem de uma família muito católica e conservadora e traz consigo um arcabouço de uma vivência religiosa bastante intensa no universo protestante. Este pensador sou eu.
        Minha visão parte de uma observação simples, nem todas as mulheres querem ser poliamoristas como faz pensar a autora e nem todos os homens se casam por precisar de uma substituta para sua mãe. Sei que encontraremos uma vasta literatura e certamente o leitor haverá de conhecer exemplos que discordam do que disse, mas levanto que as generalizações são perigosas e quase sempre incorrem em erro.
        Exemplo disto, está na ideia de que todos somos bissexuais in natura, logo posso vir a me apaixonar por um homem a qualquer momento ou ver minha namorada encantada com sua colega de trabalho e vê-la assumir um relacionamento lésbico com ela. O que, convenhamos, ocorre em muitos casos, mas não se tornou uma regra da natureza e, diga-se de passagem, nunca foi uma lei natural, tal qual a gravidade.
         Precisamos sim arejar nossas mentes e nossos relacionamentos, mas os novos relacionamentos e as novas formas de família e amor citados pela autora, trarão problemas novos e que apenas quem possui muita estabilidade emocional será capaz de resolver.
          Por fim, a autora pensa que destituindo a estrutura patriarcal teremos um final feliz.. Sou cético e pessimista, chego a ser um dramático rodriguiano nesse momento, pois penso que apenas lidaremos com uma série de novos desejos, fetiches e frustrações que não tínhamos antes e a ausência de limites nas relações pode levar a todos nós a pedir ajuda a alguém que possa nos chamar de vagabundos, apontar o dedo para nossas vergonhas e nos fazer sentir novas culpas. Lugar de cama é no quarto, na varanda prefiro uma rede.