quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Chega de Drummond

Texto de Diogo Mainard, publicado pela VEJA 13 de novembro de 2002. Não reflete exatamente como penso, mas mostra um pouco da pieguice da intelectualidade brasileira.

"João Cabral me alivia da pieguice
de Drummond, de seu sentimentalismo
ginasiano, de seu lirismo kitsch. Mas não
há o que fazer contra sua prosa. Ali ele
aparece em toda a sua constrangedora
banalidade, com aquelas historinhas jecas"


Drummond, Drummond, Drummond. Para onde quer que se olhe, Drummond e mais Drummond. Em Copacabana, celebraram seu centenário com uma estátua. Em Piracicaba, roubaram uma sua caricatura. Em Itabira, sua cidade natal, crianças foram obrigadas a declamar seus versos para os turistas. Pelé gravou um CD com suas poesias. Luiz Felipe Scolari citou-o em suas memórias. Uma moeda foi cunhada com sua efígie. Ele inspirou espetáculos de dança e foi mencionado em receitas de tutu à mineira. Até Lula apareceu com seus livros debaixo do braço. Com ar doutoral, disse que ajudavam a prepará-lo "espiritualmente" para a Presidência.

Foi tanto Drummond que acabei enjoando dele. Basta ouvir seu nome que começo a tremer e a suar frio. O antídoto mais eficaz contra essa ressaca de Drummond é uma dose maciça de João Cabral de Melo Neto. Leio-o todos os dias. Alivia-me da pieguice de Drummond, de seu sentimentalismo ginasiano, de seu lirismo kitsch: "Amor é estado de graça", "Amor foge a dicionários", "Amor é primo da morte". Quer mais? "O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar", "Quem tem amor tem coragem", "O amor bate na aorta". Ainda mais? "Amar é o sumo da vida", "Amar se aprende amando", "Vamos conjugar o verbo sempreamar".

Se João Cabral de Melo Neto atenua os efeitos nocivos da poesia de Drummond, não há o que fazer contra sua prosa. Ali ele aparece em toda a sua constrangedora banalidade, com aquelas historinhas jecas sobre o Dia das Mães, sobre o Dia dos Namorados ou sobre os velhos bares no interior de Minas Gerais. Numa crônica de Natal, ele sonha com o dia em que o "mundo será governado exclusivamente por crianças". Numa crônica em homenagem a Chico Buarque, escrita em 1966, ele proclama que nunca foi da Arena ou do MDB, mas "desse partido congregacional que encontra na banda o remédio". Quando convinha ser de esquerda, porque todos os poetas o eram, Drummond fazia poesia de esquerda. Quando o clima piorou, e os esquerdistas começaram a ser perseguidos pela ditadura, ele achou melhor pular fora, escrevendo sobre minúsculos acontecimentos do dia-a-dia. Aquilo que foi pomposamente apelidado de metafísica do cotidiano. Ou seja: nem Arena, nem MDB.

Nos manuais de literatura, Drummond é louvado por sua ironia. É uma ironia amável, benévola, cúmplice, que se esforça para confortar e apaziguar, sem jamais correr o risco de ferir o leitor. De fato, ele é prevalentemente auto-irônico. Ironizando a si mesmo, Drummond evita atacar o próximo. A auto-ironia, porém, é sempre um exercício de falsa ironia. Em 1930, quando se define um "gauche", ele demonstra ser tudo menos um "gauche", usando muita astúcia e habilidade para conquistar seu espaço no ambiente literário nacional. Mais tarde, quando julga "insignificante" seu poema mais famoso, "No meio do caminho", ele tem a certeza de que ninguém irá concordar. A seguir, quando ironiza sua frivolidade, seu provincianismo, sua teimosia em tratar de assuntos menores, ele sabe que está num terreno seguro, tendo sido aclamado por causa disso pelos maiores críticos do país.

Chega de Drummond. Pelos próximos dez ou quinze anos, é melhor ficar longe dele.

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