sábado, 10 de outubro de 2015

Tempos perdidos de uma natureza morta

Joaquim vinha de mais uma dessas passeatas que falam de comunismo no Brasil, foro de São Paulo, redução da maioridade penal, gayzismo, enfim essas merdas todas. Sua camisa da Seleção Brasileira estava encharcada de suor, mas sua alma carregava uma certa sensação de dever cívico cumprido.
No meio do caminho Joaquim olha para os lados e vê dois homens se beijando de forma um tanto quanto inflamada, não pestanejou e gritar vitupérios ao apaixonado casal.
Os jovens não se importaram, como dizem os antigos, não deram pelota para os xingamentos de Joaquim. Obviamente nosso amigo reacionário ficou altamente ofendido, pois suas ofensas deveriam ofender e, uma vez que o ofendido não se portou como tal, praticou ofensa reversa, num processo de raciocínio lógico que deixaria um par de matemáticos e filósofos debatendo por três semanas.
Os beijos permaneciam ardentes e a bandeira que Joaquim usava, a qual continha os escritos com letras garrafais, "Bolsonaro Presidente", começou a servir-lhe de toalha para sua excessiva sudorese.
O casal pensava em nada naquele momento. O leitor deve saber do que estou falando, se não sabe, tenho pena de você.
Criou-se então uma tela dantesca de uma natureza morta, um casal que não via o mover do tempo, pois estavam a exercer o mútuo amor e um homem que aos berros exercia seu ódio infeliz,
A cena assim permaneceu por longos 15 minutos, onde os beijos ocorreram a contragosto do litigante e Joaquim olhava para aquilo sem entender nada até que um rapaz passou de lado e viu a cena, 
O rapaz apareceu ao lado de Joaquim e começou a discutir com Joaquim. Ele também vinha da manifestação e defendia os mesmos princípios e valores. A conversa rendia lindamente, pareciam feitos um para o outro, viam o mundo da mesma forma, amavam as mesmas coisas, queriam as mesmas coisas e as semelhanças eram tantas que começaram a sentir uma incrível vontade de continuar a conversa em outro lugar.
Joaquim foi com o rapaz para um bar ali perto e começaram a tomar uma cerveja, enquanto isso, o casal que estava tão apaixonado começou a discutir por algum motivo desconhecido até pelo cronista desta história (lamento caro leitor).
Joaquim e o rapaz iam de vento e polpa, não paravam de rir, conversar e tomar cerveja.
O casal apaixonado foi embora brigado, tendo cada um tomado direção contrário do outro, com lágrimas em seus olhos.
Joaquim, sentiu seu coração dando uma pontada estranha, uma paz, um arrebatamento de sentidos muito estranho enquanto estava com aquele rapaz. Tratou logo de pagar a conta e ir embora o rapaz pediu o contato de Joaquim, ele inventou um número de telefone e um email que o tornariam impossível de se encontrar. Saiu correndo do bar e tentou encontrar o casal apaixonado.
Não os encontrou, obviamente, o leitor já deduziu isso.
Sentou-se na calçada e chorou. Suas lágrimas possuíam um estranho sentido, nunca dantes sentido.
O casal se encontrou no dia seguinte e resolveu seus problemas levando suas vidas da melhor maneira possível. O tempo perdido da noite anterior em meio a discussões e lágrimas foi maduramente superado.
Joaquim passou dias tentando entender seus sentimentos. Não conseguiu. Mas uma certeza carrega consigo, toda fez que ver um casal de homens irá gritar os mais altos e violentos xingamentos. Quem sabe ele encontra alguém parecido com o rapaz da noite anterior, afinal o antinatural precisa ser combatido, ainda que seja por uma natureza morta.

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