terça-feira, 30 de outubro de 2012

Somos donos de nós mesmos? - Uma análise de Michael J. Sandel

Baseado no livro "Justiça - Qual a coisa certa a ser feita?", de Michael J. Sandel


É justo taxar os lucros dos mais ricos para benefício dos pobres? É justo impedir que alguém faça aquilo que julga moralmente correto em prol de uma moral coletiva? É justo impedir que alguém assuma os riscos de suas ações por causa de medidas paternalistas do Estado? É justo não ter o direito pleno sobre o próprio corpo? Essas e outras perguntas são trabalhadas por Michael J. Sandel no livro Justiça.
                 Há uma corrente muito forte, principalmente ligada ao pensamento econômico norte-americano, que é a libertária. Segundo os libertários o capitalismo é o sistema econômico que propicia maior liberdade ao ser humano, principalmente quando os Estado intervêm minimamente possível sobre a vida humana. Para estes pensadores, o Estado deve “funcionar”, apenas e tão somente, como garantidor da liberdade individual, da administração da justiça e como garantia da propriedade privada.
                Para esta corrente o Estado não deve intervir se o indivíduo deseja por sua vida em risco ou vender seus órgãos e tão pouco proibir a pessoa de dar cabo da própria vida, desde que não prejudique um terceiro.
                No entanto, a principal incidência e campo de influência destas ideias de pensamento são na área econômica. Visto que, os maiores pensadores desta linha, defendem o livre mercado, o fim de medidas de distribuição de renda, baixos impostos e nenhuma medida de cunho protecionista.
                Economicamente falando, estes princípios remontam às obras de Adam Smith em A Riqueza das Nações. Porém, suas implicações morais, éticas e ligadas ao direito, são mais recentes e defendem diversos pontos que trabalharemos abaixo.
1-      Estado mínimo
Para os libertários o Estado moderno está muito errado, pois toda atitude paternalista, de parte do Estado é imoral e deve ser combatida. Além do mais, toda forma de gestão da moral coletiva deveria ser abolida e, por fim, não deve haver distribuição de renda e riqueza.
Sendo assim, o Estado não deve intervir se desejo fumar crack, casar-me com cinco mulheres (desde que seja consensual) e não mereço um centavo sequer do governo, caso venha a precisar. Nenhuma das minhas ações deve ser proibida pelo Estado, desde que não haja prejuízo para terceiros.
2- Filosofia do livre mercado
As ideias libertárias se fortalecem enormemente no terreno da economia, onde o laisses faire é a principal bandeira. Pensam os libertários que uma sociedade somente é de fato livre, quando seus cidadãos possuem pleno gozo de suas faculdades econômicas e intelectuais, além de livre usufruto de seus ganhos.
Adam Smith, em uma conferência, disse certa vez que, “para erguer uma sociedade da miséria ao mais alto grau de opulência, são necessárias apenas paz, baixos impostos e boa administração da justiça, o restante é conduzido pela mão invisível do mercado”.
Essa “metafísica econômica” é ardentemente defendida por grandes personalidades de nosso tempo, como Allen Ginsberg (que deu razão a Adam Smith em suas memórias, dizendo que o capitalismo globalizado vingou o liberalismo econômico), Margaret Thatcher (que, durante seu mandato de Primeira Ministra Inglesa, fechou minas de carvão por não serem lucrativas, gerando desemprego ) e Robert Nozick, que em sua obra Anarquia, Estado e Utopia, se põe contra todo tipo de taxação sobre as riquezas.
3 - Comércio de órgãos, suicídio assistido e canibalismo consensual
Os liberais também possuem uma posição divergente das adotadas pela maioria dos  Estados no que tange à propriedade do corpo e propriedade da vida.
Os mesmos defendem o direito que um indivíduo que seja possuidor de um par de rins saudáveis possa vender um deles para um indivíduo que careça de bons rins. O argumento se fia na ideia de que como sou dono de meu corpo que eu possa com ele fazer o que bem entender.
                Este princípio pode ser estendido para a prática da prostituição por pessoas maiores de idade. Visto que, são responsáveis por seus atos por que não poderiam vender o uso de seus corpos para finalidades sexuais?
Exponenciando este aspecto, o suicídio passa a ser um direito do indivíduo, visto que se a prática não trouxer nenhum problema a um terceiro,  não há razão pela qual o Estado deva interferir sobre o momento em que decido lucidamente dar cabo de minha existência.
As consequências sociais deste princípio são enormes, visto que, tornaria a eutanásia uma prática aceitável, desde que haja um médico que se disponha para tanto, ou até mesmo um suicídio ministrado, o que traria menor dor ao suicida e assim resolver-se-ia sua vontade.
Por fim, pode-se entender outro ponto altamente polêmico colocado por Sandel que seria o canibalismo consensual. Neste caso, o indivíduo entrega seu corpo para ser comido, o que dentro da ideia libertária seria algo perfeitamente aceitável e não condenável pelo poder estatal, visto que ambos estabelecem anteriormente uma relação de permissão para o ato.
São casos limítrofes ou estranhos ao nosso costumeiro e raso entendimento sobre a liberdade, porém devem ser estudados e, caso necessário, objetados para que, com isto, possamos nos emancipar cada vez mais como indivíduos.
Somos donos de nós mesmos?
Dado o entendimento do texto, concluímos que não somos plenamente livres e que, certas liberdades, efetivamente, devem ser impedidas. Nem sempre o indivíduo possui clareza em seu juízo de valor ao se expor a determinado risco, tão pouco é capaz de prever todos os resultados de suas ações, principalmente quando o resultado pode ser a morte, visto que a mesma é impossível de se reverter.
Além mais, não se pode fiar às implicações econômicas de tal postura. Pois, para aqueles que estão à margem das oportunidades, não há possibilidades senão uma inglória e diária luta, sem louros ou possibilidades.
 Nem todos possuem o talento esportivo de Michael Jordan ou a genialidade de Bill Gates e muitos que o possuem, não são reconhecidos em tempo para receber o seu quinhão. No mais Estados mínimos servem apenas para beneficiar grandes empresas e seus capitalistas, criando um despotismo do capital, ao qual, as recentes crises econômicas têm mostrado ser insustentável.
O Estado moderno como conhecemos precisa sim ser desconstruído em suas estruturas, mas não pode em hipótese alguma ser refundado sob uma ditadura do capital.

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