quinta-feira, 30 de agosto de 2012

UM CONTO HERÓICO/PSICO-PATA


Por André Godoy

Estou no alto de uma pedra de onde consigo ver um penhasco tão profundo e negro quanto a duvida que carrego sobre a tragédia e a minha vontade de rir.
Por que rio diante da tragédia?
Tenho cinqüenta e sete anos e algumas lembranças me encaminham para grotescos esconderijos da alma.
            Logo quando entrei na polícia, aos vinte e dois anos de idade, via o mundo como um lugar a se salvar, um lugar que merecesse salvação. Saindo do quartel todos os novatos se entregam à todo tipo de situação heróica para se sentir maiores do que realmente são na verdade, ávidos por justiça, condecorações e medalhas. Ledo engano.
            Eu agüentava a intelecto limitado e a arrogância dos oficiais, por achar que o fazia por um bem maior. Até que em uma dessas noites quentes (como diria o Lobão) de eterno desalento no Rio de Janeiro, meus colegas de guarnição e eu, espancamos um traficante desses qualquer. Nada fora do comum ou dentro de “desaprovável” pela sociedade, afinal, nesse país só a verdade é crime, bater num jovem infrator e pobre a sociedade aprova desde que não apareça. O que eu achei estranho foi o quanto eu gostei daquilo, minha boca salivava como se estivesse diante do meu prato de comida favorito e quanto mais o bandido chorava e gritava mais eu sentia vontade de rir.
            Uma semana se passou e eu não conseguia dormir lembrando das cenas e do prazer que me proporcionavam. Então não agüentei, vesti-me de preto, pus uma toca e pintei o rosto de preto, Sai. Fui a uma “boca-de-fumo” em Belford-Roxo com um bastão feito de um tubo aço galvanizado de 1½’ polegadas com 70 centímetros e meu revolver 38 de mira indubitável, gatilho e cão indômitos e inexoráveis. Minha experiência me ensinara e entrar e sair facilmente. Espreitei durante alguns minutos, era noite e nem um dos três me viu sair da escuridão com o revolver mirado. Acertei a cabeça de dois e cacetei a têmpora do terceiro com o cano, me envaideci de ver os dois mortos e o terceiro tonto pela pancada tentando se levantar.Ainda havia quatro balas no tambor. “Que isso, maluco? Que isso, maluco?”- disse o traficante antes de lhe aplicar a anestesia. Levei-o para um mato deserto e o soltei (estava entediado e queria ver o que ia acontecer), ele viu que eu estava sozinho e não tentou fugir, mas sim atacar, o que eu já esperava. Brigamos mas infelizmente ele não durou muito. Parei de bater quando o maxilar dele estava de um lado e a cabeça, amolecida pela surra, estava do outro, os olhos tinham saltado das órbitas e me perguntei: “Será que ele consegue ver o próprio rosto? Será que ele se divertiu tanto quanto eu? Será que ele mereceu?” - Então eu ri.

***

            Depois da primeira vez não conseguia mais parar. Continuei a prática por anos, via alguém que ninguém ligaria se morresse, ou que seria muito divertido fazer, como por exemplo, alguns garotos ricos que sodomizei durante um festival de musica eletrônica. Pela primeira vez vi socialites desesperadas reclamarem do governo e das políticas de segurança, nunca as tinha visto quando as vítimas eram moradores de favela mortos por bala perdida. Ri demais!
            Um oficial quase me pegou uma vez, mas eu o peguei antes, e ele disse olhando para o teto que nunca mais maltrataria as pessoas como tinha feito até então, “talvez na outra vida, major!” Disse e cravei o machado no seu pescoço.
            Faltam apenas três dias a votação do aumento de salário para o legislativo. Volto para casa com o intuito de dar os ajustes finais do meu maior plano que realizarei com a ajuda do pessoal da organização lótus, nunca os vi sem mascaras, mas pelas vozes e linguajar são jovens bem instruídos. Me ajudaram com os explosivos.
Chegado o grande dia estou aqui. No púlpito da câmara dos deputados federal ergo meu braço com o controle das bombas implantadas por todo o edifício, inclusive em volta do meu abdômen, peito e dentro da minha mochila, daria para explodir tudo duas vezes, pelo que me disseram.
            Tudo acontece tão devagar que nem acredito, parece que acelerei meu cérebro acima das capacidades humanas a tal ponto que o tempo, em sua relatividade, fora de mim, passa muito mais lento. Todos estão desesperados, alguns atônitos, tentam sair mas as portas estão trancadas, alguns seguranças apontam pistolas calibre .40 para mim e gritam, mas, mesmo que me matem não podem mas me impedir. Se eu soltar o gatilho do controle explode tudo. Então rio!
            Solto o gatilho e antes de ouvir o clique penso: “Estou cercado por palhaços, músicos, jogadores de futebol e toda sorte de parasitas sociais que não têm noção alguma do trabalham que desenvolvem, ou deveriam desenvolver. Esvaziam a seção para votar melhorias na educação, mas, não falta um para votar o próprio aumento de salário. Eles são os vilões, não eu!”
            Já posso prever as notícias amanhã na rede globo de televisão: “Atentado terrorista no planalto central. Louco implanta bombas e mata mais de 700 pessoas na câmara dos deputados durante votação de novo orçamento.”
            Isso me consola, a globo nunca falaria mal de alguém ruim e essa é minha melhor face. Destruirei todo esse mal e até essa pior parte de mim.
            Lógico. Não corrigirei o Brasil, logo os suplentes assumirão os cargos vagos e continuarão corruptos, mas nunca mais pensarão que são intocáveis e isso os intimidará.
           
“Clique!”

Ouço o gatilho soar, um segurança urinou nas calças. Como o ser humano é fraco e desprovido de justiça e coragem! “Morra com um homem seu frouxo!” pensei, mas, sei que não daria tempo de falar.
A honra dentro da câmara é piada, é utopia marxista. Sem honra a vida nada vale, penso então que neste lugar já estão todos mortos e apenas os devolvo a seus devidos lugares.
“Será que seus pedaços se misturarão com os meus? Será que eles merecem morrer tão rápida e indolorozamente? Será que eu deveria ter respeitado todas áreas de não fumantes? Será q...”

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