terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Alguns belos poemas de Jacques Roubaud


NÃO POSSO ESCREVER DE TI

Não posso escrever de ti mais veridicamente do que tu mesma.
Não que eu seja incapaz por natureza, mas a verdade de ti, tu a escreveste.
E porque escrevias para só seres lida morta, porque eu a li, tu morta, e feita minha, esta verdade é a mais forte de todas.
Não poderei ultrapassá-la.
O que detenho de ti, o que me concerne a mim só, não é da ordem da verdade mas da física :
Tocar desde os joelhos até a fronte, gosto de cerveja na língua, perfume nos braços, embaixo, visão e voz, de longe, me queimam : circuitos que não serão obliterados, não por enquanto.
Isso é só meu, e com razão.
Não escreverei de ti senão minha própria altura.
Ou então deito-me e faço sombra.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
ONDE ESTÁS?

Onde estás :
............................quem?

Sob a lâmpada, cercada de preto, disponho-te :

Em duas dimensões

Preto cai

Sob os ângulos. quase uma poeira :

Imagem sem espessura        voz sem espessura

A terra

........................que te esfrega
O mundo

........................do qual nada mais te separa

Sob a lâmpada. na noite. cercado de preto. contra a porta.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
1983 : janeiro ...................... 1985 : junho
O registro rítmico da palavra me horripila.
Não consigo abrir um só livro que contenha poesia.
As horas da tarde devem ser aniquiladas.
Quando acordo tudo preto : sempre.
Em centenas de manhãs pretas refugiei-me.
Leio inofensiva prosa.
Os cômodos ficaram no mesmo estado : as cadeiras, as paredes, as venezianas, as roupas, asportas.
Fecho as portas como se o silêncio.
A luz me ultrapassa pelos ouvidos.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
LUZ, POR EXEMPLO
Luz, por exemplo. preto.
Vidros.
Boca fechada. abrindo-se à língua.
Janela. reunião de gizes.
Seios. depois embaixo. a mão se aproxima. penetra.
Abre
Lábios penetrados. de joelhos.
Lâmpada, lá. molhada
Olhar repleto de tudo.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
RETRATO EM MEDITAÇÃO, V.
Tu não retocas, não mudes palavra alguma.
Nada de ponto de vista inapreensível quanto ao passado.
Sonhos femininos, amarrotados.
O que morre, quando se morre?
Acuada entre duas páginas confinadas entre o teu sono e o meu.
'Não-contacto' das vestimentas moralizadas.
Que diferença, nenhuma, entre amais pretensiosa arte e os pores do sol? a 'poesia' do pôr do sol : de vomitar.
As configurações contavam sós.
.... (todo o resto foi e ficou branco)

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
ESTA FOTOGRAFIA, TUA ÚLTIMA
Esta fotografia, tua última, deixei-a na parede, entre as duas janelas, por cima,
Da televisão abandonada, e ao entardecer, no golfo de tetos, à esquerda da igreja, quando a luz,
Se concentra, que ao mesmo tempo, escorre, em dois estuários oblíquos, e invariáveis, na imagem,
Sento-me, nesta cadeira, de onde se vê, ao mesmo tempo, a imagem interior ....a fotografia, em volta, o que ela mostra,
Que somente, ao entardecer, coincide, pela direção da luz, com ela, fora isso, que à esquerda, na imagem, olhas,
Para o ponto onde me sento, para ver-te, invisível agora, na luz,
Da tarde, que pesa, sobre o golfo de tetos entre as duas janelas, e eu,
Ausente de teu olhar, que na imagem, fixa, o pensamento dessa imagem, dedicada a isso, nos entardeceres de agora, sem ti, no ponto,
Vacilante da dúvida de tudo.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
<<TODAS AS FOTOGRAFIAS SÃO EU>>

<<
Perecíveis, sentimentais, eu mesma perecível
Tudo o que se arrisca a perder, dá-lo a ti. vais perdê-lo.
Não me assemelharei sempre ao mundo.
Fui o mundo, eu também.
Semelhante, até a ilusão.
Não dissipo a sombra do esquecimento. eu tento brilhar-me
de luz fora da memória. contrabando indiscernível da lembrança pura.
Entra, assiste à minha infância interior, no segundo lado do tempo
>>

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
NESTA LUZ, IV

Posta
.........no centro do mundo,.........insistente,
.....em teu próprio nome
'não outro' ...............meu amor
.......inacessível
Sem cor.........dormes..........furiosamente
Imagem.........tua única...........pátria
Amor..........nada mais do que pura
.....repetição
Erra, insiste, subsiste,
.....nos papéis
Tornada
......................redundância do visível
A extensão te surpreenderá
E minha voz, na verdade, retorna,
..........por estas palavras, à tua imagem, que por si mesma,
......aqui, as põe.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
TU ME ESCAPAS

De restos de poemas faço estas frases, de cores tornadas indiferentes. de dias turvos.
Em toda lembrança se perdem as cores, aqui és clara ou sombria, é tudo com que a minha linguagem pode variar.
Interiormente tu me confinas às tuas fotografias.
Tuas cores me escapam uma pela outra. como tuas frases.
Sestas sépias.
Um pedaço de papel branco guarda sua claridade de um céu em que o branco se lavou de cinza, tendo deslizado no sal. esse céu mais luminoso do que o papel.
Em um sentido entretanto ele tinha sido mais sombrio.
Teu corpo assim. tirando toda luz dos meus olhares.
Mas seria correto dizer que minha vista está falhando?

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
EM MIM

Tua morte não pára de acontecer...............de se acabar.
Não......só.........tua morte.......morta.........estás..............não há nada a dizer............e o que?.........inútil.
Inútil o irreal do passado..................tempo inqualificável.
Mas tua morte em mim progride........lenta..........incompreensivelmente.
Continuo acordando em tua voz..........tua mão.........teu cheiro.
Continuo a dizer teu nome........teu nome em mim......como se estivesses.
Como se amorte tivesse gelado apenas a ponta de teus dedos apenas tivesse jogado uma camada de silêncio sobre nós..........tivesse parado diante de uma porta.
Eu atrás..............incrédulo.

tradução: Inês Oseki-Dépré
.
"ESSE PEDAÇO DE CÉU..."

Este pedaço de céu
doravante
te é consagrado
em que a face cega
da igreja
se encurva
complicada
por uma castanheira,
o sol, ali
hesita
deixa
um vermelho
ainda
antes que terra
emita
tanta ausência
que teus olhos
se exprimem
de nada

tradução: Inês Oseki-Dépré

Nenhum comentário:

Postar um comentário