segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

RESSACA

Ele estava escrevendo, pensava que poderia escrever um best-seller. Havia lido muito e estava pronto. Estudara literatura, gramática, ortografia, estética e até técnicas de produção jornalísticas.
Nada poderia pará-lo, senão a falta de imaginação. Ele olhava para sua máquina de escrever e enquanto ouvia Vivaldi, Bach e Brahms, não compreendia como não conseguia escrever uma única linha, um único verso.
Se impressionara como nada lhe surgia, nem uma mísera ideia. Resolveu reler o poema escrito por Bukowski, que se chamava "como ser um grande escritor" e se motivou, venceria de uma vez por todas a página em branco, mas ao fechar o seu livro não conseguia pensar em nada.
Sua alma era pura angústia e sangria, enquanto ao fundo tocava o inverno das quatro estações de Vivaldi. Não entendia, seus anos de estudo e leitura teriam sido vazios? Seria ele um fracasso? Uma fraude?
Resolveu então obedecer o chamamento de Bukowski de ser fiel a apenas a cerveja.
Porém seu estomago era fraco, seus rins não funcionavam direito e qualquer dose mínima que fosse era capaz de fazer-lhe perder totalmente a razão.
Não importava,importava era vencer a página em branco. Então abriu a primeira cerveja, comprara a poucos minutos e não se importando se ela estava ou não quente, virou um generoso gole. Gole este que o fez sentir um legítimo boêmio.
Viu sua mente clarear enquanto já tocava em sua vitrola o Bolero de Ravel e enquanto sua mente perdia as forças e os sentidos permaneceu fiel a beber a sua segunda cerveja, um pouco menos quente que a primeira, porém extremamente destrutiva.
Seu organismo não recebeu muito bem aquele estranho líquido, cultuado mundialmente, porém venenoso para ele. Seu estômago doía e sentia que precisava comer algo.
Levantou-se e, ao dar o segundo passo, se desequilibrou caindo sob sua vitrola, arranhando a última faixa daquele lado do disco, que era a maravilhosa "Ária na corda do sol" de Bach. Ao perceber o feito, suas lágrimas caíram sobre o disco que não parava de dar os primeiros acordes.
De alguma maneira, Bach sabia tocar no coração das pessoas e aquela melodia foi acalmando o seu coração.
Deitou-se no chão e aonde estava olhava para o teto, esperando a tonteira passar.
De repente, ele sentiu algo lhe incomodar próximo a sua perna, era uma faca caída, caída ao seu lado, por alguma razão que todo o universo desconhece plenamente.
Ele pegou a faca, com sua mão direita e de bruços começa a talhar no taco do chão de sua casa: "Meu universo, meu sonho, minha palavra, minha ressaca". É isso! Se levantou como se o efeito de tudo aquilo houvesse passado e datilografou um texto ao qual deu o nome de RESSACA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário