http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/89649-presidente-escolhe-viver-sem-regalias-do-cargo.shtml 
Por SIMON ROMERO
MONTEVIDÉU, Uruguai - Vários líderes mundiais vivem em palácios. Alguns 
gozam de regalias como ter um mordomo discreto, uma frota de iates ou 
uma adega com champanhes vintage.
E há José Mujica, o ex-guerrilheiro que é presidente do Uruguai.
Ele mora numa casa deteriorada na periferia de Montevidéu, sem empregado
 nenhum. Seu aparato de segurança: dois policiais à paisana estacionados
 em uma rua de terra.
Em uma declaração deliberada a essa nação pecuarista de 3,3 milhões de 
pessoas, Mujica, 77, rejeitou a opulenta residência presidencial de 
Suárez y Reyes, com seus 42 empregados, preferindo permanecer na casa 
onde mora há anos com a mulher, num terreno onde eles cultivavam 
crisântemos para vender em mercados locais.
Seu patrimônio líquido ao assumir o cargo, em 2010, era equivalente a 
cerca de US$ 1.800 -o valor do Fusca 1987 estacionado na sua garagem.
Ele nunca usa gravata e doa cerca de 90% do seu salário, principalmente para projetos de habitação popular.
Seu radicalismo discreto -notavelmente diferente da época em que ele 
empunhava armas para tentar derrubar o governo- exemplifica a emergência
 do Uruguai como o país mais liberal da América Latina em questões 
sociais.
O governo Mujica chamou a atenção por tentar legalizar a maconha e o 
casamento homossexual, por colocar em vigor uma das mais abrangentes 
leis da região sobre o direito ao aborto e por ampliar fortemente o uso 
de recursos renováveis, como as energias eólicas e de biomassa.
Para que a democracia funcione adequadamente, argumenta Mujica, os 
líderes eleitos deveriam ser postos um degrau abaixo. "Temos feito todo o
 possível para tornar a Presidência menos venerada", disse ele.
Poucos poderiam imaginar que Pepe, como é conhecido, chegaria a esse 
cargo. Ele foi líder da guerrilha urbana Tupamaros, responsável por 
sequestros e assaltos a bancos.
A polícia o capturou em 1972, e ele passou 14 anos preso, sendo mais de 
uma década em confinamento solitário, às vezes num buraco no chão. 
Passava mais de um ano sem tomar banho, e seus companheiros, segundo 
conta, eram uma perereca e ratos com os quais ele partilhava migalhas de
 pão.
Mujica raramente fala sobre a sua época na prisão, que diz ter sido um 
tempo para refletir. "Aprendi que sempre se pode recomeçar."
Ele entrou para a política e, em 2009, ganhou a eleição por ampla margem.
As doações que faz o deixam com um salário em torno de US$ 800. Mujica 
disse que ele e a mulher, a senadora Lucía Topolansky, uma 
ex-guerrilheira que também esteve presa, não precisam de muito para 
viver.
O Uruguai aparece consistentemente entre os países mais seguros, menos 
corruptos e menos desiguais da região. Sua economia continua crescendo 
confortavelmente, a uma taxa de 3,6% ao ano. Mas nem todos aprovam o 
estilo de Mujica.
A proposta de legalizar a maconha, em especial, provocou um inflamado 
debate, e as pesquisas mostram que a maioria dos uruguaios se opõe.
"É uma vergonha ter um presidente como esse homem", disse Luz Díaz, 78, 
uma empregada doméstica aposentada que mora perto de Mujica e votou nele
 em 2009.
"Essa coisa da maconha, isso é absurdo", acrescentou.
As pesquisas mostram que a popularidade dele está em baixa. Mas Mujica diz "não estar nem aí para isso".
"Se eu me preocupasse com as pesquisas, não seria presidente", diz ele.
Mujica lamenta que tantas sociedades priorizem o crescimento econômico, o
 que vê como "um problema para a nossa civilização", devido à demanda 
sobre os recursos do planeta.
Os olhos de Mujica se iluminam ao evocar uma passagem de "Dom Quixote" 
em que o cavaleiro errante toma vinho de um chifre e come carne de cabra
 salgada com seus anfitriões pastores, fazendo uma arenga contra "a 
pestilência da galanteria".
"Os pastores de cabras eram as pessoas mais pobres da Espanha", disse Mujica.
"Provavelmente", acrescentou, "eram as mais ricas"
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