terça-feira, 24 de abril de 2018

Uma tarde numa fruteira qualquer

Resultado de imagem para jupiter maçã     Flavio Basso, conhecido como Júpiter Maçã, um dia entrou na minha vida. Nunca o vi pessoalmente, nunca estive em um de seus shows, ele morreu sem saber da minha existência e eu talvez também não tenha visto que ele existia enquanto ele vivia a terra dos homens mortais e banais. Fato é que um dia ele entrou em minha vida e entrou com uma das mais bregas e lindas canções do rock brasileiro, era uma música de tom irônico e decadente chamada "Eu e minha ex". Eu, que na época, pensava em escrever poesia gostei do som mas não levei tão a sério. Até que um dia ele morreu.
     A morte de Júpiter me doeu, senti que um grande artista ia embora e então resolvi ouvir seus discos com um ouvido diferente. Pena que só o fiz depois de sua morte. Poderia falar do que todos eles me causam, mas me aterei aos dois que gosto mais.
     Em 1997, surgia um dos dez discos mais importantes da história do rock brasileiro. "Sétima efervescência" veio como um daqueles discos que inauguram toda uma nova estética musical. Inovador e provocador, Júpiter mistura elementos da psicodelia a canções com um sotaque gaúcho forte que perpassa todo o álbum.
     Neste disco esta presente "Eu e minha ex" que é uma canção espetacular, tanto por sua letra, quanto por seu arranjo, bem como todo o clima por ela criado. Mas não somente este hit, mas também a música de abertura "Um lugar do caralho", "Tortas e cucas" em "Pictures and painting", há um chamamento para um universo onde a voz e sotaque deste gênio são plenamente entendidas.
      Para coroar este trabalho temos a melhor letra de todo o disco, "Miss Lexotan 6 mg", uma música que conta a história de uma jovem bela, porém triste e nela temos versos maravilhosos como:
     
       "Ela é tensa só porque seu amor não vive em São Paulo
       Nem Porto Alegre, em lugar nenhum"
 
     Logo vê-se que o grande problema da jovem personagem de Júpiter não é geográfico, mas é existencial, afinal:
   
     " Ela era atriz no underground
      Hoje ela posa de modelo fotográfico
      É frequentadora assídua do templo Hare Krishna
     Mas mesmo assim ela não fica leve"

      A leveza do ser para ela é insustentável e logo se vê que não há soluções fáceis para a Miss Lexotan, nem a liberação sexual ou qualquer coisa que o valha. Nem sequer a ideia de que basta um dia após o outro, pois o amanhecer do próximo dia não promete dar-lhe algo novo.

     " E quando o sol finalmente raiar
      E ela então ferrar
      E quando o sol finalmente raiar
      E ela desmaiar
     Tudo ficará positivamente mórbido"

    E, com tudo ficando "positivamente mórbido", Júpiter nos leva a uma viagem para um fluxo de consciência profundo e inquietante.

    O outro disco do qual eu gostaria de falar é o maravilhoso "Uma tarde na fruteira", mas vou deixar para outro post, pois este ficou maior do que eu pensava. Concluo com uma sensação estranha, do mesmo jeito que não consegui cumprir toda a minha missão neste texto, penso que Júpiter não concluiu a dele, penso que ele morreu cedo demais e deixou uma obra ainda em movimento. Penso que ele ainda vive. Certamente esta vivo em sua arte.

https://www.youtube.com/watch?v=TgOsQYoyEgc

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Ela & Ele

       Ela estava na casa dele, fazia tudo do seu jeito, andava de um lado para o outro, fazia uma limpeza excelente.
       Ele permanecia sentado olhado para o nada, apesar de ter uma TV perante o seu olhar, na televisão passava um esporte qualquer que não faz diferença e nem é relevante para para a história.
       Ela vivia como se fosse feliz, mas era amarga e ressentida.
       Ele vivia como quem estivesse prestes a se matar, porém era feliz e satisfeito com a vida que levava.
        Um dia Ela foi ao cabeleireiro, passou o dia se arrumando, queria ficar deslumbrante. Ao passo que ele, sequer havia cortado as unhas do pé, sua barba estava por fazer e seus dentes estavam caindo.
         Ela queria crescer na vida, Ele estava feliz com o que tinha.
         Ninguém entendeu o que Ela viu Nele quando se casaram. Todos disseram para Ele que havia tirado sorte grande e que não se faziam mais mulheres como Ela.
          Ela queria o casamento, Ele não se importava.
          Ela queria uma bela cerimônia, Ele só queria que tudo acabasse rápido.
          Ela não alcançou seus desejos, apesar de estudar, trabalhar muito, ser produtiva, positiva e agregar valor por onde passou.
           Ele foi muito mais longe do que imaginava, deu sorte nos poucos negócios que empreendeu e não precisou de muito esforço para ser bem sucedido no que quis, apesar não ter nenhum desejo em especial.
           Ela projetava confiança, Ele não projetava coisa alguma.
           Um dia a cidade ficou chocada com a notícia.
           Ela morreu.
           Se matou.
           Causa da morte, pulou do vigésimo andar da empresa em que trabalhava.
          No velório Ele não derramou uma lágrima sequer.
          Ele sabia que a morte Dela era só o começo.
          O começo de nada.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Urgente!!!! Cidade de Kafka City oferece asilo a Lula.

     A cidade de Kafka City e seus honrados cidadãos oferecem a Lula asilo para sua melhor proteção. O prefeito desconhecido acaba de emitir o despacho e autoriza os policiais inexistentes a disparar as armas retóricas e prutefatas, disponíveis para defender este ilustre cidadão.
     As razões desta atitude são desconhecidas e inexplicadas, porém em Kafka City, Lula seria condenado a ser livre, tão livre quanto quiser a ponto de sua liberdade ser de tal sorte ampla que geraria em si um confronto existencial que o levaria à compreensão do absurdo da existência a priori. Fazendo com que seu acesso ao governo fosse impossibilitado não por razões jurídicas, mas por questões antropológico existenciais.
     Ele tem até o fim de sua vida breve para decidir, seus assessores ainda não emitiram nenhum comunicado com relação à aceitação ou não deste asilo.

sábado, 19 de março de 2016

Tentativas de golpe em Kafka City

   O MKL quer de fato tomar o poder em Kafka City.
   Ontem, fontes próximas ao governo afirmaram que tudo transcorreu em ordem e sem problemas ligados à violência, o que deixa o governo preocupado.
    Após horas de tortura parnasiana os líderes do MKL esqueceram o que queriam e resolveram montar uma banda de rock.
     A banda trabalhará gêneros de música alternativa e promete ser um grande sucesso nos festivais kafquianos de rock feito por gente estranha.
     Os outros movimentos não se pronunciaram, pois estão certos que não suportariam uma sessão de leitura da obra de Olavo Bilac, somados à apresentação de uma monografia sobre os princípios metafísicos da poética parnasiana e sua influência na bossa nova.
     Os líderes dos movimentos ficaram com medo de sentirem uma vontade inquestionável de se matar e desistiram de tomar o poder.
      Pior, eles poderiam montar uma banda de rock independente para tocar em festivais fracassados.
      O governo de Kafka City nunca foi tão forte.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Manifestações em Kafka City

   Kafka City, na vanguarda das grandes cidades, resolveu se manifestar e reclamar de seus maiores problemas, porém as manifestações não tem sido eficazes por um simples motivo, falta uma razão para protestar.
   Kafka City é uma cidade fora do normal onde ninguém se importa com o governo federal, são diferentes dos paulistanos que lotam sua avenida principal por vinte centavos ou coisas do gênero. Em nossa cidade protestamos contra as inconsistências do utilitarismo e do quanto é chato ter um imperativo categórico.
    O MKL (movimento Kafka City livre) lançou um manifesto contra toda poesia e feita utilizando o pentâmetro iâmbico e contra o uso da poesia de Carlos Drummond de Andrade nas escolas, quando se falam dos grandes poetas.
     O Movimento Vem Pra Rua Se Der Vontade, afirmou que não teve vontade e que não se importa com quem preside o país.
     O Coletivo Desconsiderando o Eixo, chamou alguém de facista, mas nossa reportagem ainda não o identificou.
     Enfim, tudo corre em paz, embora todos sintam um enorme vazio na alma.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Moçadinha que muda o mundo

      Creio cada vez menos na "moçadinha que muda o mundo", sério, existem altas bandeiras de fato importantes a se levantar, causas pelas quais lutar, coisas importantes mesmo, mas a "moçadinha que muda o mundo" não pensa efetivamente em nenhuma delas, costuma ser meio alienada de tudo e possui um cômodo lugar comum perante suas próprias causas.
       Recentemente, um conhecido meu iniciou um projeto ligado a alimentação, a ideia é boa, principalmente se estiver nas mãos de pessoas que de fato entendem do assunto, o que não é o caso dele, logo, a boa ideia e intenção que o sujeito teve corre seríssimos riscos de naufragar por falta de expertise sobre o assunto que ele abraçou, sendo mais um objeto para seu marketing pessoal como "carinha que muda o mundo" do que alguém que resolveu um problema.
        Tenho comigo que os caras que realmente fazem algo de bom pelo mundo não ficam muito conhecidos por isso. Penso que Churchill fez mais pela paz mundial que Gandhi e que o capitalismo tem feito mais pela saúde dos indianos do que Madre Tereza de Calcutá.
        Dirão os idiotas da objetividade (leio Nelson Rodrigues e daí?) que meu texto é de um autor claramente conservador e anti revolucionário.
       Respondo dizendo o óbvio, a "moçadinha que muda o mundo" não muda de fato. Quem muda são as pessoas que efetivamente trabalham em suas causas, sem marketing do bem, mas com competência naquilo que se propõem a fazer e sem fazer muito barulho. Afinal 90% das feministas de facebook nem sabem quem foi Maria da Penha.
       Voltando ao conhecido citado acima, ele traz mais uma faceta da "moçadinha que muda o mundo" que é o problema da moral das pequenas coisas.
      Chamo de moral das pequenas coisas o conjunto de imperativos que as pessoas honestas de fato se preocupam, como ser gentil, pontual com o pagamento de suas contas e respeitoso com os de posição social menor. Ou seja, o mínimo que qualquer pessoa decente ensina aos filhos e pratica pelo menos na frente deles para dar o exemplo.
       Meu conhecido, segundo informações de uma colega é o único que nunca, pasmem NUNCA, pagou a taxa referente ao cafezinho do departamento em que trabalha, mas come feito uma patusta machadiana (outra referência que copiei do Nelson, e daí?).
        A "moçadinha que muda o mundo" não se preocupa em jogar o lixo no lugar certo, não arruma seu quarto, não cumprimenta a faxineira no trabalho, não contribui para o cafezinho, não cumpre com suas obrigações, porque julga em um nível de moralidade superior aos meros mortais que se ocupam das rotinas, essa "moçadinha que muda o mundo" tem um problema moral sério e nada há que justifique ser como são.
       Provavelmente verei o projeto naufragar, a culpa será de um terceiro, pois a "moçadinha que muda o mundo" não assume seus erros e o cafezinho continuará sendo pago pelos demais que honestos feito um pai de ópera, depositam fielmente o combinado.
       No fundo, a "moçadinha que muda o mundo" é reacionária pacas!

sábado, 24 de outubro de 2015

Esperando Foucault

     Estava lendo um livro de Antropologia, cara, isso é do caralho. Então ouvi alguém bater à minha porta. Não costumo receber visitas, principalmente sábados. Todos vivem muito aos sábados, conversam com muita gente, fazem planos e programas, eu não. Finco minhas nádegas em uma poltrona e leio aforismos. A vida é um martelo aos sábados.
     Atendi e a pessoa que se apresentou era estranha, nunca vi o sujeito em minha vida e, como sou muito desconfiado e precavido, o mandei entrar e lhe servi um chá preto e biscoitos.
     Olhei para o ser e este ser me olhava, seu olhar era um veredito kafkiano e não entendi o que ele fazia em minha casa, até que ao romper do silêncio o homem desanda a me dar informações altamente irrelevantes sobre sua vida pregressa, seu tipo sanguíneo, sua saúde e algumas alergias, passando por seu passado sexual, onde o mais interessante era uma gonorreia contraída na juventude, depois de um devaneio sexual com uma moça de vida sexual levada ao limiar do profissionalismo, mas sem os devidos cuidados.
      Não entendia o porque das informações, então comecei a ouvir suas ideias sobre como o governo, o sistema e o capital nos dominavam e suas predileções políticas.
      Em meio ao inflamado discurso, listou uma série de atividades que teria de executar no dia seguinte e fiquei a me perguntar o que raios ele fazia na minha casa, até que ele solta um grito meio louco, meio racional.
      - Vim até aqui, pois estou esperando Foucault!
      Olhei fixamente para o distinto senhor e lhe dei um soco no estômago.
      - O senhor é maluco - Disse-lhe guardando alguma docilidade.
      - Não sou! Sei que parece estranho, mas o estou a esperar e aqui é melhor lugar para isto.
      Como qualquer pessoa sensata faria em meu lugar, olhei para aquele senhor, me sentei ao seu lado e me pus a falar aforismos.
      A noite passou e Foucault não chegou. Enfim, devia estar ocupado pensando no biopoder ou algo assim. O homem se foi e nunca mais apareceu, talvez tenha encontrado com ele em algum lugar diferente do combinado, o Waze deixa a gente perdido de fez enquanto.
      Voltei para meu livro de Antropologia. Cara, Antropologia é do caralho!