terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Alguns belos poemas de Lawrence Ferlinghetti


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Nas melhores cenas de Goya parece que vemos....................................................as pessoas do mundo........no exato momento em que.......................pela primeira vez elas ganharam o título..................................................de ‘humanidade sofredora’........Tais pessoas se contorcem na página................................................num verdadeiro acesso..................................................................de adversidade........Amontoadas.......................gemendo com bebês e baionetas........................................sob um céu de cimento.......pela paisagem abstrata de árvores bombardeadas....................estátuas decaídas asas bicos de morcegos......................................................patíbulos escorregadios........................................cadáveres galos carnívoros.......monstros finais berrantes todos........................da.....................................‘imaginação do desastre’.......tão danados de reais................................... que até parece que ainda existem.......E existem mesmo...................... Só mudou a paisagem
Todos continuam em fila nas estradas que estão.......infestadas de legionários.......falsos moinhos de vento e grandes galos dementes
E são aquelas mesmas pessoas.........................................apenas mais distantes de casa.......e em estradonas de cinqüenta pistas......................num continente de concreto..................................demarcado por pencas de cartazes.......que ilustram ilusões imbecis de felicidade
A cena mostra menos carretas para a forca.
trad. Leonardo Fróes
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...............4
Num ano surrealista...........................de homens-sanduíche e banhistas ao sol..........................................girassóis mortos e telefones vivos ...............políticos amestrados repartidos em partidos ...............realizavam seu número de costume...............no picadeiro de seus circos de serragem...............onde acrobatas e homens-bala.......................................... enchiam o ar como um lamento...........................quando algum palhaço premiu...............por pilhéria o botão de um cogumelo incomestível
e uma inaudível bomba de domingo
............................................................ explodiu
surpreendendo o presidente em suas orações
...........................no décimo nono buraco do campo de golfe
Oh era uma primavera.................de folhas de peles selvagens e flores de cobalto
enquanto cadillacs caíam como chuva entre as árvores
...........................encharcando com demência os relvados
e de cada nuvem de imitação
..........................................escorriam multidões múltiplas..............................de sobreviventes de nagasaki desasados
...............E ao longe perdidas ...............flutuavam xícaras ...............repletas com nossas cinzas
trad. Eduardo Bueno
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...............7


Que poderia ela dizer para o ursinho fantástico
Que poderia ela dizer para o irmão
que poderia ela dizer
................................................ para o gato de pés futuros
que poderia ela dizer para a mãe
depois daquela vez em que deitou toda tesa
....................................................entre as flores bambas........da margem quente de um rio........onde caíam samambaias em leque no ar quebrado.................................... do hálito do seu namorado
e os passarinhos muito doidos
.................................... se jogaram das árvores
para provar ainda quente no chão
....................................a semente de esperma arremessada


trad. Leonardo Fróes
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...............10
.........Em toda a minha vida jamais deitei com a beleza..........................confidenciando a mim mesmo.........................................seus encantos exuberantes
Jamais deitei com a beleza em toda a minha vida...........................................e tampouco menti junto a ela..........................confidenciando a mim mesmo....................................como a beleza jamais morre..........................mas jaz afastada....................................entre os aborígenes......................................................................da arte.....................e paira muito acima dos campos de batalha......................................................................do amor
..........................Ela está acima disto tudo...........................................oh sim.........Está sentada no mais seleto dos............................................................bancos do templo
lá onde os diretores de arte encontram-se
para escolher o que há de ficar eterno
..............................E eles sim deitaram-se com a beleza....................suas vidas inteiras......................................E deliciaram-se com a ambrosia.........e sorveram os vinhos do Paraíso............................................Portanto sabem com precisão.........como algo belo é uma jóia..........................rara rara.........................................e como nunca nunca.........poderá desvanecer-se......................................num investimento sem tostão
Oh não jamais deitei
..........................em Regaços da Beleza como esses.........receoso de levantar-me à noite..........................com medo de perder de alguma forma
algum movimento que a beleza pudesse esboçar
...............
.........No entanto dormi com a beleza..............................da minha própria e bizarra maneira
e aprontei uma ou duas cenas muito loucas
...................................... com a beleza em minha cama
e daí transbordou um poema ou dois
.........e daí transbordou um poema ou dois..................... para esse mundo que parece o de Bosch


trad. Eduardo Bueno
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...............15
............Correndo risco constante...........................................de absurdo e morte............toda vez que atua em cima...........................................das cabeças da audiência
o poeta sobe pela rima
............como um acrobata.......................para a corda elevada que ele inventa
e equilibrado nos olhares acesos
..........................sobre um mar de rostos.........abre em seus passos tIma via..........................para o outro lado do dia
fazendo além de entrechats
...........................................truques variados com os pés
e gestos teatrais da pesada
...................................tudo sem jamais tomar uma......coisa qualquer..........................pelo que ela possa não ser
Pois ele é o super-realista
..........................que tem de forçosamente notar.........a verdade tensa............................antes de ensaiar um passo ou postura
no seu avanço pressuposto
.............................................para o poleiro ainda mais alto
onde com gravidade a Beleza
.............................espera para dar..............................................seu salto mortal
E ele um pequeno..........................homem chapliniano...........................................que poderá ou não pegar..........................aquela forma eterna e bela...........................................projetada no ar.........vazio da existência

trad. Leonardo Fróes
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...............25
Tocado...........o coração logo se agita............................e arqueja 'Amor'...........um peixe alucinado que tenta............................tirar seu fôlego da carne do ar
E não há ninguém ali para escutar sua morte.........................................no meio das moitas tristes..........................por onde o mundo passa em riste..............................numa efusão de atrasos e de asfalto
trad. Leonardo Fróes
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...............26
Aquela "fosforescência sensual.............................na qual se deliciava minha juventude"..........jaz agora quase atrás de mim.....................................como uma região de sonhos..........onde um anjo......................................de hálito ardente............dança como uma diva......................................por veias estranhas.............pelas quais o desejo......................................perscruta e lamenta
E dança......................................e dança ainda
e ainda avança
......................................para mim.....................................................com seios ofegantes....................e lábios secretos.....................................e (ah)
......................................................olhos radiantes
trad. Eduardo Bueno
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.......Longe por cima da baía lotada.......................................de casas vedadas
no meio das nobres chaminés com cãibra
............
.......de um terraço atado por varais de roupa.......uma mulher enfuna velas......................ao vento
pendurando seus lençóis matinais
.......
.....................................com pregadores de madeira......................Ó magnífico mamífero......................................cujas tetas seminuas.......projetam sombras tensas......................................quando ali ela se estica
para afinal estender o último
.......
...............................de seus tão brancos

.......pecados lavados......................o qual porém está molhado de amor........e a circunda e nela se enrosca colado à pele......................Pegada com os braços pra cima.......ela solta para trás a cabeça......................num sornso sem voz.......gesto sem escolha e depois......................sacode a cabeleira dourada
enquanto nos espaços distantes da paisagem ao mar...................................entre os panos brancos soprados
perfilam-se os navios brilhantes
........................................................que vêm ao reino

trad. Leonardo Fróes
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AO LONGE SOBRE UM PORTO CHEIO...


         Ao longe sobre um porto cheio
                                de casas sem calefação
em meio às chaminés de navio
         de um telhado mastreado de varais
    uma mulher hasteia velas
                                  sobre o vento
expondo seus lençóis matinais
                         com pregadores de madeira
                  Oh mamífero adorável
                       seus seios seminus
    arrojam sombras retesadas
                               quando ela se estica
para pendurar de alma lavada
                                             seu último pecado
                   mas umidamente sensual
                                              ele se enrola nela
                      agarrado à sua pele
                            Capturada assim de braços
                                                             erguidos
      ela atira a cabeça para trás
                                 numa gargalhada muda
   e num gesto espontâneo
                     espalha então cabelo dourado

enquanto nas inatingíveis paisagens marinhas

                 entre lonas brancas e enfunadas

sobressaem radiantes os barcos a vapor

                                          para o outro mundo

Trad. Nelson Ascher

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O OLHO DO POETA OBSCENO VENDO...
O olho do poeta obsceno vendo
vê a superfície do mundo redondo
      com seus telhados bêbados
      e pássaros de pau nos varais
      e suas fêmeas e machos feitos de barro
      com pernas em fogo e peitos em botão
      em camas rolantes
e suas árvores de mistérios
e seus parques de domingos no parque e
estátuas sem fala
e seus Estados Unidos
com suas cidades fantasmas e Ilhas Ellis vazias
e sua paisagem surrealista de
               pradarias estúpidas
               supermercados subúrbios
               cemitérios com calefação
               e catedrais que protestam
um mundo à prova de beijo um mundo de
 tampas de privada e táxis
 caubóis de butique e virgens de Las Vegas
 índios sem terra e madames loucas por cinema
      senadores anti-romanos e conformistas
                              
                [ conformados
e todos os outros fragmentos desbotados
do sonho imigrante real demais
   e disperso
      entre esse pessoal que toma banho de sol

Trad. Paulo Leminski
..
CAVALOS AO AMANHECER
Os cavalos os cavalos selvagens ao amanhecer
como numa aquarela de Ben Shahn
vivos em plena campina
no planalto ao longe
eles galopam
eles bufam
eles trovejam ao longe
seus cascos pequeninos
provocam pequenos trovões
insistentemente
como martelos de madeira batendo
num tambor distante
O sol ruge &
joga as sombras dos cavalos
pra fora da noite

Trad. Paulo Henriques Britto



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