É justo taxar os lucros dos mais ricos para benefício dos
pobres? É justo impedir que alguém faça aquilo que julga moralmente correto em
prol de uma moral coletiva? É justo impedir que alguém assuma os riscos de suas
ações por causa de medidas paternalistas do Estado? É justo não ter o direito
pleno sobre o próprio corpo? Essas e outras perguntas são trabalhadas por
Michael J. Sandel no livro Justiça.
Há uma corrente muito forte, principalmente
ligada ao pensamento econômico norte-americano, que é a libertária. Segundo os
libertários o capitalismo é o sistema econômico que propicia maior liberdade ao
ser humano, principalmente quando os Estado intervêm minimamente possível sobre
a vida humana. Para estes pensadores, o Estado deve “funcionar”, apenas e tão
somente, como garantidor da liberdade individual, da administração da justiça e
como garantia da propriedade privada.
Para
esta corrente o Estado não deve intervir se o indivíduo deseja por sua vida em
risco ou vender seus órgãos e tão pouco proibir a pessoa de dar cabo da própria
vida, desde que não prejudique um terceiro.
No
entanto, a principal incidência e campo de influência destas ideias de pensamento
são na área econômica. Visto que, os maiores pensadores desta linha, defendem o
livre mercado, o fim de medidas de distribuição de renda, baixos impostos e
nenhuma medida de cunho protecionista.
Economicamente
falando, estes princípios remontam às obras de Adam Smith em A Riqueza das
Nações. Porém, suas implicações morais, éticas e ligadas ao direito, são mais
recentes e defendem diversos pontos que trabalharemos abaixo.
1- Estado mínimo
Para os libertários o Estado
moderno está muito errado, pois toda atitude paternalista, de parte do Estado é
imoral e deve ser combatida. Além do mais, toda forma de gestão da moral
coletiva deveria ser abolida e, por fim, não deve haver distribuição de renda e
riqueza.
Sendo assim, o Estado não deve
intervir se desejo fumar crack, casar-me com cinco mulheres (desde que seja
consensual) e não mereço um centavo sequer do governo, caso venha a precisar.
Nenhuma das minhas ações deve ser proibida pelo Estado, desde que não haja
prejuízo para terceiros.
2- Filosofia do livre mercado
As ideias libertárias se
fortalecem enormemente no terreno da economia, onde o laisses faire é a principal bandeira. Pensam os libertários que uma
sociedade somente é de fato livre, quando seus cidadãos possuem pleno gozo de
suas faculdades econômicas e intelectuais, além de livre usufruto de seus
ganhos.
Adam Smith, em uma conferência,
disse certa vez que, “para erguer uma sociedade da miséria ao mais alto grau de
opulência, são necessárias apenas paz, baixos impostos e boa administração da
justiça, o restante é conduzido pela mão invisível do mercado”.
Essa “metafísica econômica” é
ardentemente defendida por grandes personalidades de nosso tempo, como Allen
Ginsberg (que deu razão a Adam Smith em suas memórias, dizendo que o
capitalismo globalizado vingou o liberalismo econômico), Margaret Thatcher
(que, durante seu mandato de Primeira Ministra Inglesa, fechou minas de carvão
por não serem lucrativas, gerando desemprego ) e Robert Nozick, que em sua obra
Anarquia, Estado e Utopia, se põe contra todo tipo de taxação sobre as
riquezas.
3 - Comércio de órgãos, suicídio assistido e canibalismo consensual
Os liberais também possuem uma
posição divergente das adotadas pela maioria dos Estados no que tange à propriedade do corpo e
propriedade da vida.
Os mesmos defendem o direito que
um indivíduo que seja possuidor de um par de rins saudáveis possa vender um
deles para um indivíduo que careça de bons rins. O argumento se fia na ideia de
que como sou dono de meu corpo que eu possa com ele fazer o que bem entender.
Este
princípio pode ser estendido para a prática da prostituição por pessoas maiores
de idade. Visto que, são responsáveis por seus atos por que não poderiam vender
o uso de seus corpos para finalidades sexuais?
Exponenciando este aspecto, o
suicídio passa a ser um direito do indivíduo, visto que se a prática não
trouxer nenhum problema a um terceiro,
não há razão pela qual o Estado deva interferir sobre o momento em que
decido lucidamente dar cabo de minha existência.
As consequências sociais deste
princípio são enormes, visto que, tornaria a eutanásia uma prática aceitável,
desde que haja um médico que se disponha para tanto, ou até mesmo um suicídio
ministrado, o que traria menor dor ao suicida e assim resolver-se-ia sua
vontade.
Por fim, pode-se entender outro
ponto altamente polêmico colocado por Sandel que seria o canibalismo
consensual. Neste caso, o indivíduo entrega seu corpo para ser comido, o que
dentro da ideia libertária seria algo perfeitamente aceitável e não condenável
pelo poder estatal, visto que ambos estabelecem anteriormente uma relação de
permissão para o ato.
São casos limítrofes ou
estranhos ao nosso costumeiro e raso entendimento sobre a liberdade, porém
devem ser estudados e, caso necessário, objetados para que, com isto, possamos
nos emancipar cada vez mais como indivíduos.
Somos donos de nós mesmos?
Dado o entendimento do texto,
concluímos que não somos plenamente livres e que, certas liberdades,
efetivamente, devem ser impedidas. Nem sempre o indivíduo possui clareza em seu
juízo de valor ao se expor a determinado risco, tão pouco é capaz de prever
todos os resultados de suas ações, principalmente quando o resultado pode ser a
morte, visto que a mesma é impossível de se reverter.
Além mais, não se pode fiar às
implicações econômicas de tal postura. Pois, para aqueles que estão à margem
das oportunidades, não há possibilidades senão uma inglória e diária luta, sem
louros ou possibilidades.
Nem todos possuem o talento esportivo de
Michael Jordan ou a genialidade de Bill Gates e muitos que o possuem, não são
reconhecidos em tempo para receber o seu quinhão. No mais Estados mínimos
servem apenas para beneficiar grandes empresas e seus capitalistas, criando um
despotismo do capital, ao qual, as recentes crises econômicas têm mostrado ser
insustentável.
O Estado moderno como conhecemos
precisa sim ser desconstruído em suas estruturas, mas não pode em hipótese
alguma ser refundado sob uma ditadura do capital.
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