A ideia de autonomia privada surge na filosofia moderna através da máxima kantiana, a qual, um indivíduo é livre quando cria para si mesmo uma regra moral e a cumpre de maneira fidedigna. Apesar de ser oriundo de tempos imemoriais, posto que o assunto é debatido em textos bíblicos, na filosofia clássica e medieval.
Para Kant a autonomia está profundamente ligada à moralidade e os indivíduos são agentes autônomos possuidores de capacidade plena de decisão, ou seja, quando o indivíduo é dotado de capacidade racional de encontrar o “melhor caminho”, ele invariavelmente o seguirá, caso oposto, ele não seria dotado de autonomia por não possuir capacidade moral ou racional para, efetivamente, decidir por si. Este conceito aproxima-se muito do conceito platônico de moralidade onde, o indivíduo sábio sempre fará o bem.
O pensamento kantiano influenciou sobremaneira o pensamento jurídico do século XIX, pois a liberdade seria a essência de todo o direito privado daquele tempo, isto provavelmente, pelo rompimento com regimes totalitários e o desenvolvimento do pensamento democrático tal qual o conhecemos.
Apesar da influência do filósofo de Königsberg o direito em sua letra crua, não teve nas legislações criadas posteriormente o mesmo rigor autônomo que aparentemente seria o fruto óbvio deste processo de pensamento, dando lugar a uma reinterpretação do filósofo e uma guinada mais conservadora ou mais coletivista.
Um dos maiores problemas encontrados no pensamento kantiano é o entendimento que a autonomia individual está ligada a imperativos categóricos, onde em toda situação o mesmo seria aplicado, porém há uma diversidade heterônoma de vontades e interesses, tornando a liberdade de autonomia kantiana uma mera ideia filosófica inaplicável em situações práticas, logo na diversidade de metas a liberdade política torna a economia das autonomias algo impossível.
Sendo assim, a ideia rousseauniana de um contrato social composto pela união das metas e a ideia habermasiana de consenso como determinante do funcionamento da logística das autonomias torna-se mais viável que o ideário kantiano, onde o Direito é uma aplicação externa de uma lei moral.
Para Rousseau, há uma conexão entre autonomia dos cidadãos e autonomia pública, quase que criando em sentido lato sensu uma educação doméstica ampliada transformada em política pública, na qual há uma superposição do público sobre o privado.
Já Habermas, entende que deve haver uma conexão interna entre autonomia pública e autonomia privada construída através do consenso entre os entes constituintes da sociedade construída, posto que deve haver uma tensão moderada entre ambas autonomias e não a sobreposição plena de uma sobre a outra. Até mesmo porque o indivíduo se constrói no processo de socialização e construção da linguagem e não por simples afetações genéticas, logo é fundamental que se harmonizem interesses dentre os entes públicos e privados.
Para observar-se a aplicação deste debate na seara do Direito Contratual haverá de se observar alguns limites postos à autonomia individual que são instrumentais para a adequada compreensão, validade e possibilidade plena das normas deste instituto.
Apesar se constituírem como limites à liberdade e autonomia individuais, estes princípios, tendem a garantir efetivamente a liberdade dos entes, pois, salvo em contrário haverá sempre uma superposição em desfavor do hipossuficiente em questão.
O primeiro dos princípios é o dever geral de boa-fé, pois, “O dever geral de boa-fé traduz, inegavelmente, uma ideia de lealdade ou probidade que se pode relacionar, no plano dos negócios jurídicos, à pretensão de veracidade”. Logo, boa-fé tanto objetiva quanto subjetiva, servem como instrumento de manutenção da segurança contratual, pois sem ela os entes contratantes não podem ter nenhum alicerce que lhes permita contratar e ser contratado.
Outro ponto é o dever de informar, este princípio “surge como um dever de promover as condições necessárias ao entendimento mútuo ou à compreensão, sem a qual o consentimento ofertado não se pode considerar autônomo”.
Por fim, tem-se a noção de equilíbrio contratual à qual versa que dois entes que estabelecem entre si uma relação jurídica devem ter condições de arcar com todos os ônus e bônus relacionados com o contrato firmado. Ou seja, os entes autônomos em questão têm de possuir a plenitude de possibilidades de cumprimento material e formal das relações contratuais firmadas, independente da espécie de contrato e a forma contratada.
Conclui-se esta resenha entendendo que o debate sobre os limites da autonomia individual ainda está em aberto e ainda precisa se desenvolver e as conclusões sobre este assunto ainda estão longe de um ponto final, porém na esfera dos contratos os limites já foram traçados.
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