Depois de uma noite de sonhos intranquilos, acordei cinza. Não sei o que isto significa ao certo, mas eu estava nublado. Parecia Ouro Preto em dia de chuva. Este cinzentar me angustia, me deprime. Me pergunto por quais razões assim estaria, afinal minha vida anda em bons eixos. Mas por que tem de haver uma razão lógica para eu estar assim? Por que deve haver uma razão científica para tal fenomenologia estranha e destituida de claros motivos?
O fato é que estou cinza e isto enche minha verve literária, penso em fazer um conto, mas seria mentiroso atribuir a outrem o que comigo ocorre, penso em um poema, mas sou poeticamente um fracasso. Meus versos costumam ser um lixo literário, daqueles que fariam João Cabral tecer profundas críticas e fariam Bukowski vomitar de tédio. Sim, além de cinza sou um fracasso pós-moderno com pensamento antiquado e uma filosofia que não entendeu nada ainda.
Penso mais um pouco e entendo porque os Black Blocks fazem o que fazem, porque os jovens de 68 fizeram o que fizeram e porque pessoas de classe média são as primeiras a enfileirar a luta por causas sociais que lhe são alheias. Fazem isto para não ficarem cinzentadas como eu.
A falta de sentido na existência incomoda mais do que parece. Logo, lutar por algo, ainda que não se saiba ao certo o que, é melhor que sentir-se vazio por dentro. Ficar Black, verde ou vermelho é melhor que ficar cinza.
Será?
A falta de sentido na vida é algo que deve-se encarar com coragem, o medo dela faz com que escolhamos razões para nos justificarmos vivos. Mas seriam legítimas essas razões ou não passamos de Sísifos condenados ao maior de todos os vazios, independentemente da cor que escolhemos?
Esta reflexão existencial não mudou a minha cor, parece até que a deixou mais forte.
Talvez para melhorar eu deva deixar para lá. Comprar algo, curtir coisas no Facebook, ler piadas, trabalhar com mais afinco, rezar, jogar um jogo online, ouvir um podcast, sentir-me culto lendo algo complexo, sentir-me superior vendo um filme que eu não gosto e nem entendo. Ou talvez seja melhor ficar cada vez mais cinza para ver qual tom ficará em mim.
Talvez...
Na verdade não sou Gregor Samsa, sou apenas um estrangeiro em um mundo cada vez menos hospitaleiro para mim e até que o cinza me caiu bem.
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