Por André
Godoy
Estou no alto de uma
pedra de onde consigo ver um penhasco tão profundo e negro quanto a duvida que
carrego sobre a tragédia e a minha vontade de rir.
Por que rio diante da tragédia?
Tenho cinqüenta e sete anos e
algumas lembranças me encaminham para grotescos esconderijos da alma.
Logo quando
entrei na polícia, aos vinte e dois anos de idade, via o mundo como um lugar a
se salvar, um lugar que merecesse salvação. Saindo do quartel todos os novatos
se entregam à todo tipo de situação heróica para se sentir maiores do que
realmente são na verdade, ávidos por justiça, condecorações e medalhas. Ledo
engano.
Eu
agüentava a intelecto limitado e a arrogância dos oficiais, por achar que o
fazia por um bem maior. Até que em uma dessas noites quentes (como diria o
Lobão) de eterno desalento no Rio de Janeiro, meus colegas de guarnição e eu,
espancamos um traficante desses qualquer. Nada fora do comum ou dentro de
“desaprovável” pela sociedade, afinal, nesse país só a verdade é crime, bater
num jovem infrator e pobre a sociedade aprova desde que não apareça. O que eu
achei estranho foi o quanto eu gostei daquilo, minha boca salivava como se
estivesse diante do meu prato de comida favorito e quanto mais o bandido
chorava e gritava mais eu sentia vontade de rir.
Uma semana
se passou e eu não conseguia dormir lembrando das cenas e do prazer que me
proporcionavam. Então não agüentei, vesti-me de preto, pus uma toca e pintei o
rosto de preto, Sai. Fui a uma “boca-de-fumo” em Belford-Roxo com um bastão
feito de um tubo aço galvanizado de 1½’ polegadas com 70 centímetros e meu
revolver 38 de mira indubitável, gatilho e cão indômitos e inexoráveis. Minha
experiência me ensinara e entrar e sair facilmente. Espreitei durante alguns minutos,
era noite e nem um dos três me viu sair da escuridão com o revolver mirado.
Acertei a cabeça de dois e cacetei a têmpora do terceiro com o cano, me
envaideci de ver os dois mortos e o terceiro tonto pela pancada tentando se
levantar.Ainda havia quatro balas no tambor. “Que isso, maluco? Que isso, maluco?”- disse o traficante antes de
lhe aplicar a anestesia. Levei-o para um mato deserto e o soltei (estava
entediado e queria ver o que ia acontecer), ele viu que eu estava sozinho e não
tentou fugir, mas sim atacar, o que eu já esperava. Brigamos mas infelizmente ele
não durou muito. Parei de bater quando o maxilar dele estava de um lado e a
cabeça, amolecida pela surra, estava do outro, os olhos tinham saltado das
órbitas e me perguntei: “Será que ele consegue
ver o próprio rosto? Será que ele se divertiu tanto quanto eu? Será que ele
mereceu?” - Então eu ri.
***
Depois da
primeira vez não conseguia mais parar. Continuei a prática por anos, via alguém
que ninguém ligaria se morresse, ou que seria muito divertido fazer, como por
exemplo, alguns garotos ricos que sodomizei durante um festival de musica
eletrônica. Pela primeira vez vi socialites desesperadas reclamarem do governo
e das políticas de segurança, nunca as tinha visto quando as vítimas eram moradores
de favela mortos por bala perdida. Ri demais!
Um oficial
quase me pegou uma vez, mas eu o peguei antes, e ele disse olhando para o teto
que nunca mais maltrataria as pessoas como tinha feito até então, “talvez na
outra vida, major!” Disse e cravei o machado no seu pescoço.
Faltam
apenas três dias a votação do aumento de salário para o legislativo. Volto para
casa com o intuito de dar os ajustes finais do meu maior plano que realizarei
com a ajuda do pessoal da organização lótus, nunca os vi sem mascaras, mas
pelas vozes e linguajar são jovens bem instruídos. Me ajudaram com os
explosivos.
Chegado o grande dia estou aqui.
No púlpito da câmara dos deputados federal ergo meu braço com o controle das
bombas implantadas por todo o edifício, inclusive em volta do meu abdômen,
peito e dentro da minha mochila, daria para explodir tudo duas vezes, pelo que
me disseram.
Tudo
acontece tão devagar que nem acredito, parece que acelerei meu cérebro acima
das capacidades humanas a tal ponto que o tempo, em sua relatividade, fora de
mim, passa muito mais lento. Todos estão desesperados, alguns atônitos, tentam
sair mas as portas estão trancadas, alguns seguranças apontam pistolas calibre
.40 para mim e gritam, mas, mesmo que me matem não podem mas me impedir. Se eu
soltar o gatilho do controle explode tudo. Então rio!
Solto o
gatilho e antes de ouvir o clique penso: “Estou
cercado por palhaços, músicos, jogadores de futebol e toda sorte de parasitas
sociais que não têm noção alguma do trabalham que desenvolvem, ou deveriam
desenvolver. Esvaziam a seção para votar melhorias na educação, mas, não falta
um para votar o próprio aumento de salário. Eles são os vilões, não eu!”
Já posso prever as notícias amanhã
na rede globo de televisão: “Atentado terrorista no planalto central. Louco
implanta bombas e mata mais de 700 pessoas na câmara dos deputados durante
votação de novo orçamento.”
Isso me
consola, a globo nunca falaria mal de alguém ruim e essa é minha melhor face.
Destruirei todo esse mal e até essa pior parte de mim.
Lógico. Não
corrigirei o Brasil, logo os suplentes assumirão os cargos vagos e continuarão
corruptos, mas nunca mais pensarão que são intocáveis e isso os intimidará.
“Clique!”
Ouço o gatilho soar, um segurança
urinou nas calças. Como o ser humano é fraco e desprovido de justiça e coragem!
“Morra com um homem seu frouxo!”
pensei, mas, sei que não daria tempo de falar.
A honra dentro da câmara é piada,
é utopia marxista. Sem honra a vida nada vale, penso então que neste lugar já
estão todos mortos e apenas os devolvo a seus devidos lugares.
“Será que seus pedaços se misturarão com os meus? Será que eles merecem
morrer tão rápida e indolorozamente? Será que eu deveria ter respeitado todas
áreas de não fumantes? Será q...”
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